São Paulo é o time paulista com mais lesões em 2018. Por que?

Foto: saopaulofc.net

Quando em 2003 o São Paulo inaugurou seu primeiro Núcleo de Reabilitação Esportiva Fisioterápica e Fisiológica (REFFIS), seguindo sua tradição, o clube dava mais um passo em direção ao pioneirismo. Não por coincidência, entre 2005 e 2008 não houve clube que tenha chegado sequer perto de tudo o que o Tricolor conquistou neste período. Passados 15 anos, temos uma realidade brutalmente diferente, não apenas em títulos, mas também naquilo que o REFFIS tem como uma de suas missões: a prevenção de lesões, principalmente, musculares.

De acordo com um levantamento realizado pelo portal Globoesporte.com (acesse clicando aqui) com dados atualizados até o dia 27 de abril de 2018, data de publicação da matéria, o Tricolor somava 16 lesões, bem à frente de todos seus rivais paulistas. No Flamengo, durante o mesmo período, foram apenas cinco contusões. Atualizando apenas os números do São Paulo até o clássico do último sábado, são 21 lesões em praticamente 5 meses de temporada, média superior a 4 contusões por mês.

O Arquibancada Tricolor procurou dois especialistas no assunto para buscar os motivos do número tão elevado de lesões. São eles o Dr. Ricardo Nahas, médico especializado em Medicina do Esporte e coordenador médico do Hospital 9 de Julho e Luis Felipe Tubagi Polito, fisiologista do exercício e mestre em biodinâmica do movimento humano.

Sem entrar no mérito específico e julgar o trabalho dos profissionais do São Paulo, ambos os profissionais garantem: o alto número de lesões em um clube evidencia erros do departamento médico/físico/fisiológico/comissão técnica. Claro, entram nesse hall de problemas a ridícula pré-temporada de 12 dias (essa sim, culpa da CBF, Federação Paulista, Conmebol e todos que participam direta ou indiretamente da elaboração do calendário do futebol) e até mesmo o alto número de trocas de treinadores.

 

“Para maior eficiência no trabalho de prevenção a lesões, é fundamental a qualificação dos profissionais envolvidos”.

Perguntado se o mais importante para evitar as contusões é a tecnologia de ponta ou a qualificação dos profissionais do clube, o dr. Luiz Polito diz que a segunda opção é decisiva. “Novas tecnologias geralmente são muito midiáticas. Elas são importantes, por exemplo, para medir enzimas (substâncias produzidas pelo corpo humano, em especial, durante e após a prática de atividades físicas intensas), níveis de recuperação a partir de uma variável de frequência cardíaca, mas de nada adianta ter um dado sem saber o que fazer com ele. É o conhecimento que dá a estratégia e intervenção que devem ser realizadas com a aplicação do dado”, diz Polito, que cita que há diversas formas de alcançar os dados ainda que sem instrumentos tecnológicos tão avançados.

Há erros cometidos justamente por conta de problemas na formação profissional, por exemplo, de um preparador físico, que são determinantes para o aumento do número de jogadores lesionados. “Ainda há quem pense que treinadores não devem ter nenhum tipo de formação. Há uma carga excessiva de treinamentos durante o ano, já que alguns preparadores físicos se vangloriam quando veem atletas extasiados ou até vomitando após um treinamento, o que é de uma estupidez absurda. Para se controlar essa carga, como dito anteriormente, não é crucial o material mais tecnológico, mas sim boa vontade, estudo e qualificação”.

Mesmo a troca frequente de treinadores, para Dr. Polito, não seria um grande problema, não fosse o amadorismo dos clubes nessa relação. “A cada técnico que chega, vem um novo preparador físico, que logo se torna o principal da equipe. Por isso, sou a favor de um preparador principal fixo do clube, fazendo com que o indicado pelo treinador seja um coadjuvante no processo, dando assim uma sequência lógica no trabalho, já que o profissional que estava no clube conhece o histórico do trabalho como um todo e dos jogadores”. (Nota do repórter: será coincidência que, quando tínhamos uma equipe fixa nessa área o trabalho era mais bem realizado?).

O modelo de jogo é responsabilidade do treinador e cabe ao preparador físico se adaptar a ele. Porém, de acordo com dr. Polito, em muitos casos essas discussões são também amadoras. “Sabe-se que treinamentos excessivos e repetitivos não contribuem em absolutamente nada para o desenvolvimento técnico e tático dos jogadores. O número e intensidade de treinos não podem ser definidos pelo achismo do técnico, mas sim por estudos científicos e procedimentos embasados. Esse é um ponto falho da formação de treinadores no Brasil como um todo”.

 

O caminho é um trabalho integrado e personalizado a cada atleta

De acordo com o Dr. Nahas, há hoje diversas formas de antecipar uma possível lesão, em métodos que o São Paulo com certeza dispõe. “Cada atleta tem sua peculiaridade e é preciso haver um controle total da produção de enzimas, que podem apontar para um quadro de esgotamento físico e, portanto, alta possibilidade de lesão”, explicou.

“Não há apenas uma causa para lesões musculares. A fadiga, no entanto, é a principal delas. Num cenário de pouco tempo de pré-temporada e vários jogos intercalados, cada detalhe na preparação é crucial, por exemplo, na intensidade dos treinamentos. Em jogos importantes e decisivos, o atleta costuma se doar mais e há o registro de mais lesões, justamente pela fadiga”, continuou o Dr. Nahas.

Para evitar as lesões, a receita, de acordo com Dr. Nahas, é um trabalho integrado entre todos os profissionais envolvidos na preparação física, nutrição, fisiologia e demais colaboradores que lidam diretamente com o tema. “Deve haver total sinergia entre todas as funções. Há acompanhamento constante, inclusive durante os jogos. Claro, toda essa tecnologia e integração não pode pecar pelo excesso, mas tem papel fundamental”.

Nahas também falou sobre a influência da troca de técnicos nesse cenário. “Em uma equipe entrosada, há uma ideia clara de jogo e de posicionamento. Num time com muitas mudanças, o atleta levanta a cabeça, faz o movimento de um passe ou chute, mas desiste no meio do caminho por não saber onde está seu companheiro. Essa incerteza também ocasiona lesões”, concluiu.

 

E aí, São Paulo?

Procurado, o São Paulo não se manifestou sobre o tema até o fechamento deste material. O que fica claro é que, sim, há um problema que deve ser enfrentado principalmente por Raí e, claro, endossado pelo presidente Leco. Cada jogo que um atleta perde por lesão significa prejuízo técnico e financeiro, o que deve ser evitado a todo custo.

Muitos torcedores se manifestam sobre uma queda no rendimento do time durante os segundos tempos das partidas, o que também tem tudo a ver com preparo físico. Sim, parece que há avanços nos últimos jogos, mas para um clube como o São Paulo não basta diminuir as lesões. É preciso um trabalho de referência, vanguarda e que faça, inclusive, que atletas escolham jogar com nossa camisa também por esse fator. Já tivemos esse papel e está na hora de resgatá-lo.

Para isso, o São Paulo, por meio de sua diretoria, precisa admitir que tem um problema. Seria muito construtivo para o clube se, nas reuniões do Conselho Deliberativo com a Diretoria de Futebol, esse tema fosse levantado. Está na hora de voltar a ser São Paulo Futebol Clube, dentro e fora dos campos.

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