Memórias de um Tricolor – Cansado de gritar campeão

Memórias de um Tricolor é a coluna do Thiago Francisco, sempre publicada às quartas-feira. Muitas memórias passarão por este espaço!

Diz a lenda que quando o Morumbi está em reforma, o São Paulo não ganha títulos, talvez nem seja uma lenda, as estatísticas mostram isso.

Tentando enganar o óbvio, os diretores do Tricolor tentaram enganar a história não anunciando as modernizações do Morumbi, se fizéssemos aquele desafio da moda na internet de colocar uma foto de dez anos atrás do Morumbi, veríamos o tanto de mudanças no nosso estádio.

Ainda tem gente que prefere mais reformas, como aproximar as cadeiras do campo, cobrir o estádio e etc. Eu particularmente adoro o Morumbi do jeito que é, podem me chamar de saudosista, mas eu acho que nosso estádio tem personalidade e entre ganhar títulos e ver um jogo mais de perto, eu prefiro a primeira opção.

Digo que prefiro ganhar títulos, pois o São Paulo me acostumou assim, teve ano em que a gente cansou de ganhar títulos, quando eu digo cansou é porque cansou mesmo: no ano de 1992 só do Barcelona ganhamos dois. Para se ter uma ideia, escolhemos por não jogar a Copa do Brasil daquele ano, para dar chances aos outros clubes também ganharem alguma coisa…

Abro aqui um parênteses para falar sobre a Copa do Brasil, se for para analisarmos, o São Paulo deve ser o clube da “Série A” que menos disputou esse torneio, pois sempre estava jogando outros campeonatos mais importantes. Entendam, no início da década de 90, o São Paulo era o time a ser batido, se existisse internet na época, Telê Santana seria mais ou menos o Pep Guardiola de hoje, ou o Mourinho, digo mais ou menos, pois seria injusto afirmar isso, o mestre Telê foi melhor do que qualquer um desses técnicos de hoje, ninguém nunca fará o que Telê fez no mês de dezembro de 1992.

Diferente do que é hoje, naquela época o Paulistão era disputado no segundo semestre do ano, a Libertadores durava seis meses e era disputada na primeira metade do ano. O Tricolor ganhou a Libertadores e, ao invés de passear no Paulistão, jogou como se o time necessitasse daquele título como se valesse a vida dos jogadores. Tínhamos um timaço e fizemos um campeonato irretocável, tendo na cola outro time bom, com bastante investimento, pois foi comprado por uma empresa que vendia leite, mas mesmo de barriga cheia o Tricolor foi ganhando e dando espetáculo, como tocava bola aquele time, porém com nosso calendário maluco o inevitável aconteceu e para variar Telê ficou furioso, com razão claro.

Olha o absurdo do calendário: as finais do Paulistão foram nos dias 05 e 20 de dezembro, o leitor pode achar que quinze dias de distância era um bom período de descanso. Até seria, se o São Paulo não tivesse que disputar a final do Mundial no Japão, no dia 13 de dezembro. Então analisem comigo, teríamos que jogar dia 05, viajar 18.500 km, jogar outra final, viajar mais 18.500 km para jogar outra final, isso sem contar o fuso de 22 horas do Japão, tarefa impossível caso seu time não tivesse Telê Santana como treinador.

A final foi exatamente contra o time comprado pela marca de leite. No primeiro jogo, Raí com pressa novamente de terminar logo com aquela final, como de praxe, meteu os três gols dele em final. Contando com os dois gols na final do Mundial, o Raí bateu algum recorde de gols em uma semana pelo mundo, ninguém nunca fez tantos gols em uma distância tão grande em tão pouco tempo, podem pesquisar aí, o cara tem mais gols por km rodado na história do futebol.

No segundo jogo, o Morumbi tinha mais de cem mil pessoas festejando o título Mundial, conquistado uma semana antes. A torcida Tricolor chegou comemorando o Mundial e saiu de lá comemorando o Paulistão, a impressão que dava era a de que nem estava tendo o jogo, só uma pessoa ali queria aquele título como se nunca tivesse ganho nada na vida, essa pessoa era o eterno Telê Santana, que em quase seis anos como treinador do São Paulo, levou todos os jogos com a mesma seriedade, não importando o jogo.

Sorte nossa de ter tido um treinador desses, azar dos empresários italianos que vendiam leite, ficaram mais um ano na fila.

Thiago Francisco

Thiago Francisco. Sou da Zona Leste de São Paulo e professor de história desde 2014, tenho 34 anos, frequento a arquibancada amarela do Morumbi, sempre atrás da bandeira do escanteio do lado da azul, não acredito em superstição, mas quando eu não tô lá naquele lugar sempre algo dá errado…

*As opiniões expressas aqui são de responsabilidade do autor do texto, e não refletem a opinião do site

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