O Morumbi canta por nós | OPINIÃO

Não há palavras para definir a torcida do São Paulo hoje, no Morumbi. Como é INFINITA a grandeza da nossa paixão; como ela cresce em meio ao caos. Não é o clichê do amor renascido ou intensificado DEPOIS da tragédia. É durante o trajeto e já à beira do abismo.

Naquele momento em que TODOS os times de camisa tornam-se alvos do silêncio perturbador e da fúria sem concessão das arquibancadas, o Morumbi fala e apoia.

O Morumbi entoa o hino.

O Morumbi evoca o espírito de quem transformou um grupo de jogadores sem estádio em um titã do futebol mundial. Com trabalho e determinação, e não com soberba.

Ontem (14), o Morumbi cantou seu amor, prometeu que estará ali em qualquer tempo, em qualquer cenário. E jurou vingança.

O Morumbi resgatará o São Paulo – e há de destroçar quem o apunhalou. Há de exterminar – metafórica, concreta e biologicamente – as bactérias e os roedores que se instalaram no organismo da instituição.

Por que essa certeza no justo momento em que assisto à lenta morte do time que amo?

Porque do alto de meus 51 anos e mesmo desesperançoso e ácido com tudo que diz respeito a futebol (pois apenas o São Paulo me interessa), chorei como uma criança ouvindo e cantando o hino ao final do massacre do 1° tempo.

Não foi por tristeza: foi justamente por constatar que a determinação anímica e o brio do são-paulino são inversamente proporcionais à apatia e desinteresse de um elenco débil e sem personalidade (em alguns casos, sem caráter, como o boicote a Crespo evidenciou); e que a integridade e valentia da torcida se avolumam, em oposição à covardia e desonestidade dos dirigentes.

Todos os “alguéns”

Obviamente, tenho medo de tudo que acontece com o São Paulo.

Tenho profundo desprezo e ódio das pessoas que fazem isto com algo que é… alguém, TODOS OS “ALGUÉNS” para mim.

O São Paulo é o meu avô, sócio do Paulistano, que esteve entre os inconformados pelo fim do futebol e ajudaram a fundar o clube em 1930.

O São Paulo é meu pai, que falava de Poy, Mauro, Zizinho e Canhoteiro; do sofrimento de Roberto Dias durante o período sem títulos durante a construção do Morumbi e de sua recusa em ir para o Santos de Pelé por amor ao clube; da retomada em 1970 com Forlán, Édson, Gérson e Toninho Guerreiro, e depois com Pedro Rocha em 1971.

Meu pai, que espatifou pratos quando Márcio mandou o quinto pênalti do Atlético MG para a Lua (depois da catimba de Waldir Peres) e conquistamos o Brasileiro em 1977. Que se preocupou quando sumi depois do bi contra o Guarani. Meu pai, que infelizmente não viu as 3 Libertadores e os 3 Mundiais, mas esteve em cada um deles aqui dentro.

O São Paulo é a minha mãe, que me falava rindo do medo que Forlan e Paranhos causavam nos adversários, que admirava Chicão (meu primeiro ídolo, porque foi o primeiro que vi chorando pelo meu time); que morria de medo a cada jornada minha a pé ou de ônibus ao Morumbi, ao Pacaembu, ao Canindé, ou de carro para o interior do estado, mas que jamais negou que eu fosse a uma única partida, mesmo depois de tomar uma surra da Gaviões (após nossa vitória no primeiro jogo da final do Paulista 87). Permitiu inclusive que eu voltasse na decisão, para confirmar o título e ir à divisa mostrar aquilo que homem mostra pra torcida rival – e quase ser castrado pelo coturno de um PM.

O São Paulo é meu sobrinho, uma fortaleza e um exemplo em corpo de criança. O ser humano que inspirou o que de melhor houve em mim e um tricolor tão apaixonado, que ficava com dor de estômago quando o time perdia. Um são-paulino que entendeu muito cedo o tamanho e o significado da “entidade” que ligava todas as gerações da família.
Meu sobrinho viu as glórias da Era Telê, curtiu comigo os primeiros gols de Rogério, as molecagens e os gols de França; chorou abraçado a mim quando Raí voltou e trucidou o Corinthians em 1998. No ano seguinte, se foi aos 13 anos, no dia mais triste de nossas vidas, mas não sem antes festejar comigo os 5 a 1 sobre o Palmeiras, gargalhando a cada gol que eu anunciava, ligando do estádio pra ele.

O São Paulo é minha irmã e minha sobrinha, igualmente tricolores, que superaram esta e outras perdas imensas e são fortes e corajosas como jamais fui ou serei. E que hoje, essencialmente, me mantêm vivo.

O São Paulo é a minha esposa, que me proporcionou tanto em incontáveis sentidos e foi capaz de me acolher, entender e apoiar mesmo quando mereci o oposto.

O São Paulo é o meu amigo-irmão de infância, parceiro de estádio desde sempre, voraz leitor e conhecedor da história do clube, ser humano de uma fibra e dignidade ausentes em TODOS que lamentavelmente dirigem o clube ou vestem a sua camisa atualmente.

O São Paulo é você que lê este texto sentindo, como eu, raiva dos canalhas que sequestraram o clube, que violentam a nossa história, a nossa paixão e desrespeitam todas as pessoas que nos são queridas e de quem nos lembramos cada vez que vestimos a camisa, tocamos o emblema e nos cobrimos com a bandeira tricolor.

O coral do Morumbi se levanta. Reverbera. Ensurdece.

Seus ecos ressuscitarão o São Paulo – e se instalarão na cabeça de cada facínora que o assalta como uma tênia, como uma maldição, como uma esquizofrenia de 18 milhões de vozes.

O Morumbi emula anjos pelo seu time. E trará o inferno para os seus parasitas.


Dario Campos

*As opiniões expressas aqui são de responsabilidade do autor do texto, e não refletem a opinião do site

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