Quando a seleção brasileira parou de me empolgar | OPINIÃO

Este não é um texto para pregar ódio gratuito à seleção brasileira ou algo do tipo, mas esses dias eu estava lembrando aqui, o que me fez perder o encanto pelo Brasil em Copas do Mundo.

É claro que em época de Copa, tudo é muito divertido, ambiente legal para festejarmos e inegavelmente, o Brasil é a maior seleção de todas no planeta. Não apenas pelos títulos, mas por tudo o que representa.

Não é nada incomum também, termos mais amor pelo clube que torcemos, do que pela seleção, o que não invalida ou nos faria torcer menos pelo Brasil.

Conversando então com amigos, fui resgatar na memória qual foi o momento em que acompanhar a seleção deixou de ser tão legal pra mim. Reforço aqui que eu não torço contra, apenas não me vejo identificado ou torcendo como no passado.

Voltei no tempo e resolvi buscar mais detalhes e números do episódio que me fez perder o carinho e vínculo com a seleção.

Copa do Mundo de 1994

Rai e Ayrton Senna | Arquibancada Tricolor
Raí e Ayrton Senna em 1993 – o capitão são-paulino era um dos líderes da equipe de Parreira

Minhas memórias voltaram então lá para os anos 90. Eram outros tempos, já fazia 24 anos que o Brasil não ganhava uma Copa do Mundo (desde 1970), e aquele período trazia uma boa esperança de título, já que o São Paulo ganhava absolutamente tudo, tendo sido bicampeão mundial antes da Copa.

Contando com vários jogadores do Tricolor, mas com um futebol muito pragmático e sem brilho sob o comando de Carlos Alberto Parreira, o Brasil sofria nas eliminatórias para a Copa dos EUA, tendo se classificado somente no último jogo, contra o Uruguai, graças a Romário, que não vinha sendo convocado após discussão com o treinador.

A seleção tinha excelentes jogadores, mas apresentava um jogo muito burocrático e sofrível. Não precisava ter aquela imensa dependência de Romário, que estava voando alto entre 1993/1994.

Primeiros jogos no mundial

Quando o Brasil estreou no mundial dos EUA, o meu maior ídolo no São Paulo, maior símbolo da vencedora “Era Telê”, era o camisa 10 e capitão da seleção: Raí, que estreava contra a Rússia, marcando um gol de pênalti, consolidando a vitória por 2×0.

Nosso capitão não estava em seu auge físico, pois vinha de uma temporada em casa nova (no PSG) e sem férias. Mesmo assim, fez uma boa partida na estreia e, olhando as estatísticas do SofaScore como parâmetro, foi o melhor em campo:

Rai 1994 | Arquibancada Tricolor
Notas do jogo Brasil 2×0 Russia – Copa do Mundo 1994
Rai 1994 02 | Arquibancada Tricolor
Estatísticas de Raí, no jogo Brasil 2×0 Russia – Copa do Mundo 1994

Na rodada seguinte, vitória tranquila sobre Camarões por 3×0 com destaque a Dunga, que foi o melhor em campo, além de Marcio Santos, que jogou muito bem e ainda fez um gol. Raí teve atuação discreta naquela partida. Zinho por exemplo, fez uma atuação inferior.

Rai 1994 03 | Arquibancada Tricolor
Notas do jogo Brasil 3×0 Camarões – Copa do Mundo 1994

Nos minutos finais daquela partida, Raí foi substituído por Muller, mas até então, era só uma partida abaixo de seu nível, depois de uma boa atuação na estreia.

O jogo seguinte, talvez tenha sido o derradeiro para a decisão futura de Parreira, já que o Brasil apenas empatou com o forte time da Suécia e Raí teve mais uma atuação apagada. Mas também tiveram Leonardo, Zinho e Aldair, como é possível ver nas notas a seguir:

Rai 1994 05 | Arquibancada Tricolor
Notas do jogo Brasil 1×1 Suécia – Copa do Mundo 1994

Apesar de ter bom aproveitamento nos passes e lançamentos durante a partida, Raí foi substituído nos momentos finais da partida por Paulo Sérgio. Parreira testava opções para deixar o time mais acertado e com munição ao ataque, um problema antigo da equipe que era vista como “retranqueira”.

Camisa 10 e faixa, removido

Vale reforçar aqui, que Raí vinha sendo escalado como meia-esquerda, em uma função mais recuada do que a desempenhada com destaque nos últimos 3 anos pelo São Paulo de Telê.

Rai Selecao | Arquibancada Tricolor
Sacar o camisa 10 e retirar a faixa de capitão apenas por opção tática?

O Brasil se classificava para as oitavas de final da Copa do Mundo e enfrentaria o time dos EUA, mas Raí foi sacado do time titular por “opção técnica”, segundo Carlos Alberto Parreira.

“Foi por opção técnica. O Raí foi o melhor jogador do Brasil, da América do Sul e foi importantíssimo durante as Eliminatórias. Mas logo após o jogo contra o Uruguai ele se transferiu para o PSG, e no primeiro ano ele quase não jogou, não conseguiu se adaptar bem, e isso coincidiu com a Copa do Mundo. Ele não chegou em sua melhor forma física e técnica, e foi uma decisão difícil. Mas não precisamos mudar o esquema tático, já que o Mazinho entrou, continuamos no 4-4-2 e isso foi importante.” comentou Parreira em entrevista posteriormente.

Realmente, Raí não teve boas atuações no segundo e terceiro jogos da primeira fase, porém, ele foi o escolhido para ser sacado do time para a entrada de Mazinho, um jogador mais de marcação, com qualidade de passe.

“Eu acho que mudou apenas o jogador. O Mazinho continuou a desempenhar a mesma função no time”, comentou Raí na época.

Como mencionei anteriormente, Zinho vinha sendo muito criticado e igualmente tendo atuações abaixo do esperado (também por ser escalado em uma função diferente da desempenhada no Palmeiras), mas em nenhum momento foi cogitado para sair.

A imprensa especulava uma discussão entre Raí e Parreira, o que nunca foi confirmado e ainda comentavam sobre um desinteresse do camisa 10, que não comemorou tanto o gol de Bebeto nas oitavas contra os EUA. Reação natural para quem foi sacado do time.

Desrespeito e desilusão

Na época, eu tinha 14 anos, mas via essa decisão de Parreira com muito desgosto. Claro, como torcedor do São Paulo e tendo Raí como ídolo, não ficaria feliz e não entendia aquela situação, mas minha “birra” já vinha de um período anterior.

Parreira conseguiu deixar de fora dois jogadores que vinham atuando muito bem em seus clubes e tinham sido convocados nas eliminatórias: Palhinha e Evair, optando por Paulo Sérgio e Viola, que na minha opinião, eram inferiores aos dois mencionados.

Parreira não tinha um reserva para ser o “armador” da equipe, e o futebol defensivo da seleção, ficava mais retrancado, com 3 volantes no meio de campo e Zinho, subutilizado em uma função que apagava seu futebol.

Com as mudanças, Dunga e Mazinho (dois volantes de marcação) passaram a ser os armadores das jogadas para Bebeto e Romário com muitos lançamentos e combate no meio de campo.

Ao meu ver, era perfeitamente possível ter dois volantes brigadores e um ou dois meias armando o time, jogando mais próximos da dupla de ataque (avançando Raí ou Zinho). Algo que Parreira era muito cobrado pela imprensa da época para fazer.

Últimas chances com poucos minutos

Raí reapareceu no time quando ganhou alguns minutos no final da partida contra a Holanda, nas quartas de final, com o jogo já decidido, no lugar de Mazinho.

De acordo com esse belo texto que detalha o episódio, escrito por Felipe Portes, as justificativas de Parreira para sacar Raí, não convenciam. O camisa 10 voltou a ter mais uma chance contra a Suécia na semifinal, quando substituiu Mazinho, que perdeu um gol incrível.

O time melhorou no segundo tempo e atacou com mais qualidade, mas ainda assim, Parreira seguiu com sua decisão de não utilizar Raí na final.

“O Raí é mais atacante que o Mazinho. Está acostumado a penetrar melhor na área adversária. Ele entrou contra a Suécia porque o Brasil estava dominando totalmente a partida”, explicou Parreira em depoimento à Folha, antes da final, numa justificativa bem esquisita.

Se a intenção era ser ofensivo, por que não escalar Raí desde o início, ao invés de se submeter ao risco de cozinhar demais o jogo e levar um gol? A Itália não era mais um “paraquedista” como a Suécia, e uma decisão de Copa não era lugar para ter tanta cautela, sobretudo quando você está numa fila de 24 anos sem títulos.

A “teimosia” de Parreira, acabou dando certo com a conquista do Tetra nos pênaltis contra a Itália e nunca mais se tocou nesse assunto. Até porque, qualquer argumento a favor de Raí, cai por terra com a conquista do título, mesmo tendo sido conquistado na loteria dos pênaltis.

Perdi identificação pela seleção

Ver meu ídolo ser desrespeitado dessa forma, foi algo que não digeri bem. Já li relatos de palmeirenses que pensam o mesmo em relação a Ademir Da Guia no passado e possivelmente há outras situações parecidas.

Rai 1998 | Arquibancada Tricolor
Rai na seleção, em 1998. A última oportunidade – Brasil 0x1 Argentina

Raí ainda foi convocado mais uma vez, às vésperas da Copa de 98 na França, quando fechava seu retorno ao São Paulo após 5 anos no PSG.

Em uma partida amistosa contra a Argentina, no Maracanã, a seleção fez um péssimo jogo, perdeu por 1×0 e a torcida carioca elegeu Raí como o maior culpado aos cantos de “Raí, pede pra sair”, já que clamava por Edmundo no time titular.

Dias depois, Raí era destaque na final do Paulistão contra o Corinthians ao marcar um gol, dar uma assistência e comandar a jovem equipe Tricolor a mais um título.

O curioso é que Zagallo (treinador da época) tirou Raí da Copa por conta daquele amistoso e convocou Giovanni (ex-Santos) que “tomou o lugar de Raí”, mas jogou apenas 45 minutos contra a Escócia, na estreia da Copa do Mundo, perdendo lugar para Leonardo, sem muita justificativa.

Claro que pode parecer um choro de torcedor e eu não tento convencer ninguém com esse texto, apenas quis compartilhar aqui uma lembrança que me fez ter muito desgosto com a seleção, que não necessariamente dá oportunidades a quem merece, mas sim a quem tem bom relacionamento.

Vide a convocação de Daniel Alves para a Copa do Mundo do Catar em 2022.

*As opiniões expressas aqui são de responsabilidade do autor do texto, e não refletem a opinião do site

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