Futebol, coisa de todo mundo

Por mais pessoal que esse texto seja ou pareça, como mulher, muitas torcedoras vão se identificar com o que tenho a dizer.

Praticamente nasci vestindo branco, vermelho e preto (é verdade). Ainda tenho guardado o macacão do São Paulo e as fotos de todas as vezes que usei ele. Posso dizer que meu amor pelo Tricolor começou antes disso, arrisco até a considerar que começou antes mesmo de eu estar na barriga da minha mãe. Dona Andréa desde a adolescência desfilava por aí de boné pra trás e blusão do São Paulo, tinha até agenda para escrever sobre o amor ao clube e o amor pelo meu pai. Era apaixonada pelo Zetti e chegou a pegar birra do M1TO quando ele substituiu o antigo goleiro do São Paulo.

mulher2 | Arquibancada Tricolor

Meu bisavô, o Sr. Simião, era fanático pelo Tricolor desde muito antes que eu, minha mãe e até minha avó, sua filha, pensássemos em existir. Foi ele quem levou a minha mãe para ver o primeiro jogo dela no Morumbi em 1994. São Paulo x Peñarol, que terminou com goleada Tricolor (6×1). Ele, avô da minha mãe, homem, não imaginava a importância do que fazia naquele tempo, o quanto aquilo explicaria onde estou hoje. O amor que passou dele para minha mãe, passou dela e dele também para mim e criou um vínculo entre nós que ultrapassa qualquer possibilidade de entendimento. Tudo isso antes mesmo de eu vir ao mundo. Não sei se por destino ou sorte.

Hoje, com 20 anos reconheço que a paixão pelo São Paulo e pelo futebol como um todo me trouxe muitos frutos, a maioria deles traduzidos em momentos de paixão, angústia, nervoso, alegria e acima de tudo, luta. Esse amor me fez quem sou hoje.

Como mulher, nem tudo foram flores, de fato. Desde criança eu era a única menina jogando bola, mesmo não tendo coordenação nem pra andar em linha reta sozinha. Com o passar dos anos você percebe que tirando a brincadeira de bola até a adolescência, futebol é “coisa de homem”. Percebe que para uma mulher, torcer sempre foi muito complicado. Falar de futebol ou até ir ao estádio até hoje é difícil. Você acaba vendo que no mundo tem de tudo. Tudo, menos respeito.

Com o tempo, conheci os termos mansplaining e manterrupting. O mansplaining por exemplo eu conheci quando uma vez (uma das tantas outras) quis falar de futebol para alguns amigos e eles tentaram me explicar coisas que já sabia, quiseram ainda que eu explicasse o que era impedimento numa espécie de validação ou aprovação. Nem precisou muito pra que eu conhecesse o manterrupting, na mesma conversa, quando tentei explicar que o jogador nunca pode ser o único após todos os jogadores de def… e aí eu fui interrompida. Por muitas vezes comecei a acreditar que aquilo não era pra mim, que eu tinha que torcer quietinha no meu canto e que eu nunca iria poder falar abertamente sobre futebol nem com os meus amigos da escola sem me sentir desconfortável. Mas então eu passava a me lembrar do Sr. Simião, que lá em 1994 levou a minha mãe pra ver a goleada do Tricolor e o quanto eu poderia deixá-lo orgulhoso.

Era ele, Sr. Simião que enchia a boca pra dizer que eu, sua primeira bisneta era São Paulina como ele. Eu, por minha vez, sempre que o encontrava fazia questão de falar sobre o São Paulo, por um minuto ou por algumas horas. Aquilo era o que nos unia. Um dos últimos presentes que eu dei foi um quadro do São Paulo que ele exibiu como quem exibe uma medalha de ouro.

Infelizmente não pude ir ao Morumbi com ele e desde 2013 o São Paulo não é tema das nossas conversas (exceto em pensamento). Queria poder contar pessoalmente o quanto o mundo mudou, dizer que hoje as mulheres conquistaram coisas que até eu duvidaria e que muito do que sou hoje é por causa dele. Que além de torcer e amar o São Paulo hoje faço parte da equipe do maior portal de notícias do Tricolor. Que ainda em 2018 além do assédio constante, nos deparamos com pensamentos extremamente retrógrados e machistas. Que ainda quero que muita coisa mude, ainda preciso, como mulher, que o mundo seja cada vez menos “coisa de homem”. Mas que hoje frequento o estádio, e sento no sofá da sala com o meu pai, meu irmão, meu namorado, meus amigos e amigas pra falar de futebol. Que hoje o futebol é coisa de… todo mundo!

Mulheres, ocupem seus espaços e nunca deixem os estádios.

Sr. Simião, é tudo pelo São Paulo mas é tudo para e por você!

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