Ryan Francisco é um adolescente, e por ser um adolescente, abusa da inconsequência, da irresponsabilidade, do arrojo.
E essa é a melhor notícia que os são-paulinos poderiam receber. O fenômeno da base mostra que, além de uma facilidade brutal para fazer gols, com uma capacidade de finalização de gente grande, tem também as características inerentes à sua idade.
É um adolescente ainda e atire o primeiro atestado médico quem nunca foi irresponsável quando foi adolescente. A adolescência é um período da vida em que a gente abusa da sorte, abusa do risco, porque a gente ainda está descobrindo o mundo. E quando o Ryan bateu as duas cavadinhas, aos 91 e 96 minutos de jogo, colocando São Paulo na semifinal da Copinha, ele declarou para todo mundo que ele ainda era um moleque em amadurecimento, fazendo uso dessa valentia distorcida de quem ainda está na flor da idade.
Ryan Francisco é um fenômeno da base, como outros tantos – e que não viraram fenômenos nos profissionais. Exemplos não faltam: Lucas Gaúcho surgiu muito bem na base do São Paulo, fez dois gols de letra no time profissional, mas hoje joga em um país aleatório do leste europeu. Ademilson era um grande jogador nas categorias inferiores, mas irritou legal quando jogou no time de cima. Henrique Almeida virou um andarilho da bola, mas quando surgiu no São Paulo, eleito o melhor jogador do mundo no Mundial Sub-20, parecia que estaríamos diante de um camisa 9 de respeito. Não foi o caso. E teve o Brenner, claro, um jogador que foi muito útil, fez seis meses impressionantes sob o comando de Fernando Diniz, mas não se firmou como um centroavante de primeiro nível do futebol.
A gente não sabe qual é o futuro do Ryan, mas a gente está percebendo qual é o presente dele. Ryan tem um corpo ainda franzino para jogar entre os profissionais, é um menino ainda com o corpo em formação, mas já sabe como usar o seu corpo, mesmo sendo mais frágil fisicamente que os adversários, para se movimentar e fazer valer seu senso de oportunismo que veteranos não têm. Os números impressionantes na base confirmam isso. Não é só a falta de competitividade dos juniores, é também uma inteligência, já madura, de quem sabe usar das suas virtudes e também das suas fraquezas para virar um jogador absolutamente decisivo.
Mas o que me chama a atenção no Ryan Francisco, sobretudo depois dessas duas cavadas contra o Criciúma, é essa sua falta de responsabilidade. E num futebol tão pasteurizado, tão chapa branca, tão media training como a gente tem hoje em dia, ver um jogador que se arrisca, que coloca tudo à prova, numa cobrança de pênalti, é muito legal. É muito legal para o São Paulino saber que tem um jogador ali que flerta, que blefa com o perigo para se tornar um cara diferente. A gente costuma dizer que pênalti é sobre chamar a responsabilidade. Nesse caso, Rian chamou a irresponsabilidade e deu duas cavadinhas idênticas para colocar o São Paulo na semifinal do torneio mais importante das categorias de base. Quis o destino que Ryan não jogasse a final do campeonato. Mas não importa se o São Paulo vai ser campeão ou não. O que importa é que nasce na base um camisa nove que diz para o mundo que arriscar às vezes compensa, que flertar com o improvável, com o não indicado, é talvez o caminho mais curto para virar um cara admirado pelos seus.
Ryan Francisco talvez seja o jogador que o São Paulo precisa, que o futebol brasileiro precisa, e tem tudo para escrever uma história bonita nos times de cima. A competitividade é outra, as demandas físicas são outras, as cobranças são outras. Tudo isso é verdade. Mas o que ele fez até agora o credencia para, quem sabe, ocupar esse espaço com a mesma grandeza que vem ocupando nas categorias de base. É uma questão de se manter leal ao que ao que tem demonstrado ser. Um adolescente, um moleque que arrisca, que tenta, que provoca, que desestabiliza adversários e até torcedores, porque quem não ficou nervoso com aquelas duas batidas na bola está mentindo. Afinal, dar uma cavadinha, para além da coragem, é um movimento técnico difícil. Você tem que bater com uma determinada força, num determinado ponto da bola, numa determinada velocidade, numa determinada altura. Você não pode telegrafar o lance, porque corre o risco de ver o goleiro matar a bola no peito e você sair absolutamente humilhado e cobrado pela torcida. Alexandre Pato que o digam.
Portanto, Rian, se mantiver esse apego ao destemor, a essa valentia, a esse abuso adolescente de se arriscar, tem tudo para virar um adulto relevante na história do São Paulo Futebol Clube.
Continue assim, moleque: um moleque.
Lucca Bopp é escritor e host do podcast Boppismo, que recebe grandes personalidades do esporte e do entretenimento. São-paulino fanático, Lucca defende as cores do Tricolor no podcast “Os 4 Grandes” e é responsável por redigir textos publicitários para campanhas de grandes marcas.
Confira minhas colunas anteriores aqui no Arquibancada Tricolor.
*As opiniões expressas aqui são de responsabilidade do autor do texto, e não refletem a opinião do site
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Ah sim: foram da hora as cavadinhas de Ryan Francisco, coisa que só quem é bem irresponsável como ele fez, mas não algo negativo, ruim e problemático: algo mesmo que é totalmente fora dos padrões que sabe-se lá quem inventou e estava totalmente tosco.
Quem não lembra da disputa de pênaltis entre Uruguai x Gana da Copa-2010 e Loco Abreu decidiu com cavadinha? Ryan Francisco fez isso 2 vezes: em menos de 5 minutos, para empatar e virar o jogo, tempo normal, para fugir dos pênaltis – que só queremos nos divertir vendo os rivais em centenas e milhares de cobranças por campeonatos diferentes, para dizer que batedor é grosso, goleiro ruim, mas nosso time não pode enfrentar os pênaltis nenhuma vezinha ou se ocorrer, temos que decidir (outro time sendo grosso nas cobranças) para acabar rápido e classificarmos ou sermos campeões hahaha -.
Verdade: Ryan Francisco ainda é um adolescente – algumas vezes vejo que exageraram na pressão sobre Endrick pelo mesmo motivo -: tem um potencial absurdo que já é conhecido, mas precisa ser desenvolvido com o tempo e ganhar chances no profissional para evoluir esse potencial.
E aí depende também de Casares não extrapolar teto de gastos, não querer vender Ryan Francisco para uma 4a divisão da Finlãndia – aproveitando a brincadeira do Profeta – ou na 6a da África do Sul, porque ele vai valorizar muito aqui, basta esperar.