Cansei de fingir que superei a ida de Ganso para o Fluminense, quando o São Paulo pela segunda vez no século rejeitou o retorno de um meia canhoto e o vimos conquistar a América sendo jogador fundamental no time que acreditou nele. Ganso é uma espécie em extinção, um híbrido entre o meia clássico dos anos 70 com os lances viralizáveis no Tik Tok dos anos 2020. Sua perna esquerda é uma relíquia, feita de um material que não se decompõe com o tempo.
Ninguém no Brasil e pouquíssimos no mundo tratam a bola com a mesma intimidade. Basta perguntar pra ela. E eu lamento profundamente que a crônica esportiva em geral fique repetindo como papagaios que Ganso não tem mais espaço no futebol atual, no que é, sem dúvida, o maior negacionismo da bola atualmente. Cravaram que Ganso só havia sido importante no Fluminense campeão da Libertadores porque Fernando Diniz era o treinador, era um sistema de jogo em torno dele, um jeito de jogar muito específico… eis que chega Mano Menezes, que tem um jeito de jogar tão parecido com o do Fernando Diniz quanto o Godzilla é parecido com a Hebe Camargo, e Ganso se torna ainda mais fundamental. Camisa 10 e capitão.
Ganso continua desafiando a geometria ao encontrar latifúndios em centímetros. Enquanto todo mundo olha para um lado, Ganso já olhou e compreendeu o outro. Imaginou três lances na frente, anteviu cinco jogadas. Joga um jogo de ilusão. Talvez por isso seja tão difícil para tanta gente o enxergar. Ele engana quem se engana sobre ele.
Há outra mentira deslavada que paira as alamedas do Twitter, Instagram e qualquer rede social dessa natureza, que diz que Ganso não jogou bem no São Paulo. Os anos de 2014, 15 e 16 do cara foram extraordinários, sobretudo 14 e 16. Titular absoluto, incontestável. Com gols e assistências em clássicos (bola na gaveta contra Santos no Morumbi, paulada no ângulo contra o Corinthians no Pacaembu, assistência para Pato contra o Palmeiras no Pacaembu); partidas enormes em jogos grandes (contra o então líder Cruzeiro em 2014 vimos um recital dele no Morumbi, assim como contra o Toluca em 2016) e um desfalque irreparável na semifinal da Libertadores de 2016, que definiu o destino daquele time na competição.
Seríamos tetracampeões se Ganso não tivesse se machucado, o que seria um feito mitológico uma vez que ele dividia o campo com os traumáticos Hudson-não-sei-dominar-uma-bola, Mena-ruim-atacando-ruim-defendendo e Wesley-intensidade-de-um-bicho-preguiça,
Isso sem falar das atuações e lances de almanaque contra River Plate, Botafogo, Unversidad Católica… Como se não bastasse, Ganso foi líder de desarme do São Paulo em duas temporadas diferentes, calando também os precursores do FPI (Feitiche Pela Intensidade), essa chaga que envenenou o futebol brasileiro. “Porra, mas isso faz 10 anos, 8 anos!” Verdade. Ganso tem 35 anos e sabemos como o futebol jogado aqui é tão simplista quanto etarista, descartando veteranos como se fossem palitos de fósforo. Ainda bem que não pensavam assim em 2005, senão não seríamos campeões sem Amoroso, Luizão, Junior. E Cerezo não teria atualizado nosso hino no Japão em 93.
Luiz Gustavo, excluindo a cagada homérica contra o Botafogo, faz uma temporada muito boa. Muito boa mesmo. Rafinha ano passado foi muito importante também – e atua numa região muito específica, que exige vitalidade juvenil. O grande mérito desse São Paulo é ter um exército de lutadores, jogadores que correm uma barbaridade, uns pelos outros. O foda é ter APENAS isso. Convenhamos: nossa maior esperança atualmente é que Lucas esteja inspirado e suas arrancadas sejam efetivas. E isso também tem sido raro. Precisamos de um jogador que tire outra coisa da cartola, além de transpiração. “Ah, mas o James era pra ser esse cara e foi um fiasco!” Comparar Ganso com James parece fazer sentido, mas não faz: Ganso atua no futebol brasileiro há 6 anos, conhece o calendário, o tipo de treino e tem mais jogos nessa temporada do que James teve nos últimos anos. Ele sabe onde está pisando e está mais preocupado em jogar bola do que fechar publis nas redes sociais. Fora que, cá entre nós, Ganso sempre foi MUITO MAIS jogador que James.
A partida recente contra o Flamengo, em que dá um passe de chaleira na fenda que só ele encontrou e iniciou o gol do Fluminense, mostra que ele ainda é capaz de fazer a diferença contra adversários de alto nível. Ponto. Para um clube que cada vez mais prioriza o mata-mata, ou seja, competições em que tudo pode acontecer em 90 e 180 minutos, ter um gênio do seu lado da campo já basta.
Com Ganso em campo, o imponderável fica mais provável. No meu time ele é titular absoluto, sempre foi, mas se Zubeldia ficar e decidir que ele não será titular, ok. Tê-lo no banco já é a promessa de um temor para o adversário e um vislumbre de esperança para nós. Os diferentes precisam de tratamento diferente, então que Ganso jogue nos jogos adequados. Não é no Alfredo Jaconi com neblina nem no Moisés Lucarelli às 4 da tarde. Por ser capaz de fazer o que nenhum outro jogador desse elenco jamais ousaria tentar, Ganso abre possibilidades que a gente desconhece.
Não sei vocês, mas eu tô pronto pra caralho para a última dança, dessa vez ao som de música clássica.
Volta, Maestro.
Lucca Bopp é escritor e host do podcast Boppismo, que recebe grandes personalidades do esporte e do entretenimento. São-paulino fanático, Lucca defende as cores do Tricolor no podcast “Os 4 Grandes” e é responsável por redigir textos publicitários para campanhas de grandes marcas.
Confira minhas colunas anteriores aqui no Arquibancada Tricolor.
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