Amanda Nunes, de 24 anos, é torcedora fanática do São Paulo desde criança. Formada em Direito e militante da causa PCD, ela, junto com seu irmão Luis Fabiano, de 13 anos, enfrenta as dificuldades impostas pela osteocondromatose múltipla, uma condição que causa tumores nos ossos. Embora sua paixão pelo Tricolor Paulista seja antiga, foi após a pandemia que sua relação com o clube se intensificou.
Em 2021, Amanda, já com o apoio do seu companheiro, começou a frequentar o MorumBIS com mais frequência. No entanto, foi em 2023 que ela enfrentou desafios relacionados à acessibilidade no estádio. “Em fevereiro de 2023, durante minha recuperação de uma cirurgia na coluna, eu pedi uma TV no quarto do hospital. Todos ali sabiam que eu era ão-paulina, e quando o time jogava, a TV ficava ligada. As pessoas sempre ouvia meus gritos de comemoração”, recorda Amanda, destacando como o clube sempre foi uma zona de conforto em momentos difíceis.
As dificuldades começaram a se intensificar no ano seguinte, durante o clássico Majestoso na Copa do Brasil. Ela relatou que passou mais de 2 horas em pé na fila para retirar os ingressos físicos, pois, até então, o São Paulo não disponibilizava ingressos digitais para PCDs. “Eu fiquei mais de duas horas em pé, sentindo dores fortes no quadril devido aos pinos que tenho na coluna”, diz Amanda, lembrando da falta de organização na distribuição dos ingressos e da confusão que se seguiu, incluindo brigas e confrontos com a polícia.
Além disso, a torcida PCD enfrentou outro desafio no jogo da final contra o Flamengo, onde Amanda ficou impressionada com a falta de estrutura: “Fiquei 7 horas na fila, embaixo de chuva, e não havia nenhum tipo de suporte do clube”, afirma. Para ela, a experiência foi um ato de amor, mas uma “loucura” que jamais deveria ter acontecido. A chuva e a falta de assistência expuseram outras dificuldades, como cadeirantes e crianças autistas que também enfrentaram condições precárias.
“Já presenciei pessoas que ficaram até 10 horas na fila, e também fui agredida pela polícia em uma outra ocasião, durante um jogo contra o Fluminense. Registrei uma reclamação na corregedoria, mas até hoje o processo não teve resposta”, conta Amanda. Esse tipo de tratamento, segundo ela, demonstra o quão insustentável é a situação das pessoas com deficiência no estádio do MorumBIS.
Amanda Nunes durante partida no MorumBIS. – Reprodução: Arquivo pessoal.
Em busca de melhorias, Amanda e outros torcedores PCDs se reuniram diversas vezes com a diretoria do clube, mas, segundo ela, nunca houve avanços concretos. “O presidente Julio Casares nunca apareceu nas reuniões com a torcida PCD. Somente o Diretor de Acessibilidade e o Jurídico participaram”, afirma.
Outro problema que Amanda destaca é a questão da acomodação e da visualização do campo. “Ficamos em um setor atrás do gol sul, embaixo da arquibancada laranja, onde a visão é péssima. Perdemos praticamente todo o primeiro tempo”, explica. Recentemente, durante o Majestoso, Amanda constatou que o toldo da área PCD estava aberto e o setor completamente alagado. “Eu precisei gravar um vídeo e enviar para pessoas da diretoria. Eu narrei tudo isso, pois é um absurdo que, mesmo sabendo da chuva, ninguém tenha feito a inspeção no nosso ambiente antes do início do jogo”, desabafa.
Reprodução: Arquivo pessoal – Amanda Nunes.
A luta pela inclusão de pessoas com deficiência no MorumBIS também é apoiada por Neilton Francisco, um dos idealizadores do projeto “Torcida Tricolor PCD”. “O principal objetivo do projeto é garantir que nós, torcedores com deficiência, tenhamos a oportunidade de acompanhar o São Paulo de perto no Morumbi e em outros estádios”, explica Neilton, destacando que, apesar da paixão pelo clube, a acessibilidade no Morumbi precisa de melhorias urgentes.
A história de Amanda e o esforço de outros torcedores PCDs trazem à tona a necessidade de mudanças significativas na infraestrutura e nos serviços de acessibilidade, para que o estádio seja verdadeiramente inclusivo e acolhedor para todos os fãs do São Paulo.
Reprodução: Arquivo pessoal – Amanda Nunes.
Ela ainda trouxe à tona um problema sério: o cambismo envolvendo ingressos. “Presenciei PCDs revendendo ingressos para cambistas por mais de R$2000 durante o jogo da final contra o Flamengo. Atualmente com os ingressos sendo vendidos apenas de forma virtual, os episódios de cambismo ainda são recorrentes. Isso mostra o caos na gestão e o quanto São Paulo não tem controle sobre a distribuição desses ingressos.”
Apesar de toda a indignação, Amanda se manteve em seu amor pelo clube, afirmando que não entrou com um processo contra o São Paulo por identificação e pelo carinho com o time. “Faria tudo novamente pelo amor que tenho ao clube, mas o que aconteceu é inadmissível. Precisamos de mudanças, e eu não sou a única a enfrentar esses desafios”, conclui.
A paixão pelo São Paulo Futebol Clube transcende qualquer barreira. Nelinton Francisco, um dos idealizadores do projeto Torcida Tricolor PCD, nos conta a trajetória e os desafios que ele e seus amigos, o Afro Monteiro e Amanda, enfrentam para promover a inclusão de pessoas com deficiência nas arquibancadas do Morumbi. “O principal objetivo do projeto é garantir que a torcida PCD, como eu, tenha a oportunidade de acompanhar o São Paulo de perto no Morumbi ou em outros estádios’’, explica Nelinton. Ele destaca que, apesar de serem apaixonados pelo clube, a acessibilidade no Morumbi é precária e precisa de melhorias urgentes.
O projeto também busca expor os problemas no quesito acessibilidade dentro e fora do estádio. “Nossa missão não é atacar, mas sim buscar soluções, apoio e parcerias para melhorar as condições de acesso”, comenta Nelinton. Ele frisa que a falta de infraestrutura e de atenção para as pessoas com deficiência no estádio São Paulo é um problema estrutural que precisa ser resolvido, para que todos os torcedores possam ter uma experiência mais completa.
Nelinton e seus amigos lutam por mudanças concretas, como a pulverização de espaços PCD ao redor do estádio. Atualmente, o setor destinado ao público PCD fica atrás do gol, em um local com visão limitada e infraestrutura inadequada. “O espaço está sempre molhado e sujo. As lonas estão furadas, e não há suporte para quem precisa de assistência”, desabafa. Aliás, já enfatizamos reclamações sobre o espaço em varias oportunidades nas reuniões, porém a única resposta que temos como retorno, é que o MorumBIS é um estádio antigo, e para realizar melhorias, existe toda uma parte burocrática que depende dos órgãos administrativos do Estado e da Prefeitura”.
Reprodução: Arquivo pessoal – Amanda Nunes.
Apesar de algumas melhorias, como rampas e mudanças na ouvidoria, Nelinton acredita que ainda há muito a ser feito. “Não podemos ver como solução definitiva o que foi feito até agora. O que realmente precisamos é de um setor mais adequado, e a pulverização seria a melhor opção”. Aliás, atualmente, precisamos com urgência de uma diretoria mais ativa e participativa no MorumBIS. O atual diretor de acessibilidade basicamente não vai nos jogos, não faz questão de presenciar os problemas de perto e propor soluções. O presidente do clube não faz questão de comparecer em nenhuma reunião. No final, nós PCD’s não temos a quem recorrer”.
Afro Monteiro, 44 anos, atleta de tiro com arco paralímpico, carrega em sua história uma relação de amor e superação com o São Paulo Futebol Clube. Natural de São Paulo, sua paixão pelo time começou ainda nos anos 90, quando, em 1991, assistiu aos seus primeiros jogos, incluindo um contra o Corinthians. Desde então, não parou mais. Ele percorreu diversos estados para acompanhar seu time, até que, em 2004, um episódio que mudaria sua vida o levou a um novo caminho: uma bala o deixou paraplégico.
Reprodução: Instagram @torcidatricolorpcd – Da esquerda para direita. Nelinton, Amanda e Afro. No MorumBIS, no jogo contra o Mirassol
Apesar da dificuldade, Afro não deixou que isso o impedisse de continuar a viver sua paixão pelo futebol. Em 2005, já em sua cadeira de rodas, voltou aos estádios e, em 2014, sua história com o São Paulo teve um novo capítulo. Foi nesse ano que ele, ao enfrentar uma crise de depressão, encontrou no clube e no esporte a força para se reerguer.
“São Paulo foi a minha terapia de verdade”, diz Afro, que, durante uma visita ao estádio, foi abordado por um desconhecido que o apresentou ao tiro com arco. Esse encontro mudou sua vida. O esporte passou a ser sua segunda paixão e o ajudou a superar a depressão.
Hoje, Afro continua frequentando os jogos do São Paulo e também compete no tiro com arco, onde encontrou um novo propósito. Ele destaca que sua vida está mais equilibrada, e que, além de ser uma válvula de escape emocional, o clube e o esporte foram fundamentais em sua jornada de superação.
Os torcedores não desistem e continuam a lutar pela inclusão. “Nosso maior desejo é ver cada vez mais pessoas com deficiência no Morumbi, mostrando que o São Paulo é, de fato, o clube de todos”, conclui Nelinton. A batalha não é apenas por melhores condições no estádio, mas pela visibilidade e credibilidade da torcida Tricolor PCD.
Siga o Instagram da Torcida Tricolor PCD.
Receba notícias do SPFC no WhatsApp e Telegram.
Siga-nos no Instagram, no YouTube e no Twitter.
Infelizmente essa é a realidade Brasileira, nós PCDs e Idosos, temos que “brigar” muito para tentar conseguir algo que deveria ser igual para TODOS sem disitinção.
Thays, excelente reportagem: lembro que durante muito tempo eu conversei e era amigo de um PCD no twitter – excluí minha conta há quase 4 anos -, curiosamente também tricolor fanático como a Amanda.
Ele me contava todos esses desafios para assistir aos jogos – algumas vezes ele ia ao estádio (pegou a época da totalacesso também que para demonstrar o que tinha digitalmente era uma lástima, assim como comprar ingresso), mas várias foram as vezes que ele desistiu de ir por causa dos obstáculos enfrentados: lugares ruins, estádio cheio, seguranças colocando ele em lugar com escada – para quem é cadeirante é um desafio terrível -, eu ficava puto com aquilo, porque não conseguia acreditar que o mesmo time que eu e ele torcíamos fosse tão cruel com uma parte de sua torcida -.
Horrível saber que o presidente Julio Casares nunca foi a nenhuma reunião ou não fez nada para melhorar, muito triste mesmo, que a Amanda, Néliton e toda a torcida PCD consiga as melhorias no MorumBIS – que ainda não tem nome -, no CT da Barra Funda e também em Cotia.