Mário Tilico: “Eu fui mais caro que o Zico, quando saiu para a Udinese” – Entrevista AT

Sem a badalação de craques dos dias atuais, longe de ter os holofotes e de ser o centro das atenções, uma jovem promessa do futebol brasileiro ao final dos anos 80, causou impacto pelo valor pago ao Náutico pelo São Paulo.

À época, Mário Tilico era comprado por 140 milhões de cruzados, uma transação milionária que ultrapassaria, segundo o próprio Tilico, os U$$4 milhões pagos pela Udinese-ITA ao Flamengo por Zico em 1983.

No final da temporada passada o técnico do São Paulo Rogério Ceni reclamou que no elenco faltava uma peça importante para o que ele pensa de futebol, um ponta, jogador do um contra um, que quebre as linhas.

Se hoje falta alguém com essas características no plantel são-paulino, Mário Tilico era um desses jogadores de velocidade, de drible fácil e finalização. Ao trabalhar como auxiliar técnico e treinador após encerrar a carreira em 2000, e se deparar com a dificuldade de encontrar esse tipo de atleta, Tilico concorda com Ceni sobre a necessidade do São Paulo contratar um ponta habilidoso temporada de 2022, e elenca Soteldo como nome ideal para a função.

Provavelmente poucos torcedores se recordem, mas um dos 23 gols que Mário Tilico fez com a camisa do São Paulo em 116 partidas, pode ter mudado a história vitoriosa do clube sob o comando de Telê Santana. Em 1991 o gol do título brasileiro foi de Mário Tilico, na vitória por 1 x 0 na primeira partida no Morumbi, com mais de 67 mil torcedores, já que no segundo jogo terminou sem gols. Na época a pressão sobre Telê Santana era imensa, e o próprio treinador cogitava a não continuar no clube, fato que mudou com a conquista do Brasileirão daquele ano.

Confira na integra a entrevista exclusiva de Mario Tilico ao Arquibancada Tricolor

AT: Mário o que está fazendo da vida atualmente?

Mario Tilico: Atualmente eu trabalho como treinador desde quando eu parei de jogar futebol, assim que eu parei de jogar futebol eu preparei para já iniciar trabalhando como treinador, só que eu iniciei como auxiliar técnico alguns anos, logo depois de eu encerrar a carreira em 2000, e atualmente trabalho como treinador.

AT: E quais trabalhos você fez recentemente? Tem alguma coisa em vista?

Mário Tilico: Eu trabalhei muito como auxiliar técnico no Rio Grande do Sul, inclusive eu trabalhei muitos anos com o Flavio que jogou no São Paulo também, Flavio Campos, o volante. Eu tenho trabalhado já há dois anos seguidos no Mato Grosso do Sul, no Comercial, e no ano de 2019 eu trabalhei em um clube chamado Costa Rica, que é uma cidade do interior do Mato Grosso do Sul. O último clube eu tive uma passagem rápida pelo interior de São Paulo, foi no Olímpia, mas foi uma passagem muito rápida. E atualmente estou aguardando uma oportunidade de trabalho.

AT: Estamos vivendo um momento no Brasil em que estão vindo muitos treinadores estrangeiros, muitos técnicos brasileiros novos surgindo, e uma turma mais experiente está sendo deixada de lado. Para você que está buscando seu espaço, tem muita dificuldade nesse cenário no Brasil?

Mário Tilico: Ah é muito difícil, porque tem algumas situações que as vezes envolve algumas parcerias, então tem muita coisa no futebol que a gente tem uma visão que não é certa. E até pelo fato de ter sido ex-jogador, a gente criou um nome, uma identificação como atleta, de caráter e de alguns comportamentos como atleta, e isso depois quando a gente vai ser treinador, tem muita coisa que não pode abrir mão. Então é muito difícil porque em alguns momentos a gente vê que tem algumas situações que você tem que mudar totalmente seu estilo, seu caráter para poder galgar alguma coisa, claro que não são todos que fazem isso, mas em algumas situações acontece muito isso. Quando você não abre mão disso, você não faz parte dessa situação, você paga um preço muito caro, que são as dificuldades. Mas eu não me arrependo, porque eu criei todo um contexto como atleta, inclusive como caráter, e não vai ser como treinador que eu vou manchar essa história que tenho como ex-atleta, e agora como treinador, mesmo querendo chegar a um lugar lá em cima, treinando grandes clubes, mas abrir mão de algo que eu entendo que é certo, pelo errado né!

AT: E a realidade é bem diferente para treinadores que estão em equipes que não tem tanta tradição no futebol brasileiro. Para conseguir chegar em uma grande equipe, ultrapassar essa barreira, mesmo sendo um ex-jogador é um pouco difícil né?

Mário Tilico: É complicado, mas acontece. Tem aí alguns treinadores que seguiram uma trajetória de uma coisa direita, correta, de sinceridade, honestidade dentro do futebol, e eles conseguiram quebrar isso tudo. A partir de um momento que você trabalha em um clube, começa a ganhar títulos, você começa a quebrar isso, porque não tem como impedir de você seguir. Mas até chegar nesse ponto é muito complicado, sabemos quem tem alguns treinadores que não precisaram se envolver com algumas situações para chegar no topo como chegaram, mas não é fácil não, é difícil, muito complicado.

AT: Você chegou ao São Paulo, vindo do Náutico, na época a imprensa pernambucana considerou uma transação milionária. Como foi sua chegada ao tricolor?

Mário Tilico: Na verdade não foi só a imprensa pernambucana, foi toda a imprensa no Brasil, claro que naquela época a gente não tinha essa tecnologia de hoje, que as notícias são mais rápidas. Mas a minha venda do Náutico para o São Paulo, foi uma coisa que repercutiu muito no futebol brasileiro, em todo o Brasil porque foi uma quantia muito alta, pra gente ter uma ideia na época eu não era um jogador conhecido, eu fui mais caro do que o Zico foi vendido para a Udinese, então foi um impacto muito grande, eu era jovem tinha 22 para 23 anos e assim, sempre tive um sonho de jogar em um grande clube, mas não imaginava que seria naquele momento, chegar em um São Paulo, em um clube grandioso como o São Paulo, e da forma como cheguei, dos valores que foram. Então foi uma repercussão muito grande, uma cobrança muito grande, mas enfim graças a Deus tive todo apoio da direção do São Paulo, que na época me contrataram, me deram toda tranquilidade, para que mesmo com essa pressão toda, conseguir ir aos poucos me adaptando e conseguindo mostrar meu futebol e graças a Deus eu agradeço muito a Deus porque hoje eu faço parte de uma história de um grande clube como o São Paulo.

AT: Talvez os torcedores mais jovens não se lembram, mas como o segundo jogo da final do Brasileirão de 91 foi 0 x 0, o seu gol da vitória por 1 x 0 no Morumbi na primeira partida diante de mais de 67 mil torcedores foi o gol do título brasileiro daquele ano. Ficou marcado para você?

Mário Tilico: Ficou marcado na verdade pra mim, para o próprio São Paulo, ficaria marcado até para o Telê Santana, porque se hoje ele estivesse vivo, ele saberia o quanto esse título foi importante pra essa mudança toda que houve na história do Telê Santana dentro do São Paulo. Porque a gente tinha vindo de um vice-campeonato, já com o Telê pressionado, e o Telê em 91 ele já não tinha mais interesse de continuar no São Paulo, mas ai os dirigentes pediram pra ele, e nós como atletas a gente tinha o interesse que ele continuasse com a gente, pelo treinador que ele era, pelo homem que ele era, pelo profissional que ele sempre foi, então queríamos que ele estivesse com a gente em 91, mas já não de agrado dele, mas ele continuou e com certeza ali foi um divisor de águas na história do Telê dentro do São Paulo, de uma conquista de muitos títulos, porque provavelmente se a gente não ganha aquele título em 91, o Telê não seria mais treinador do São Paulo, porque isso já no ano de 91, já existia uma cobrança muito grande em cima dele. Eu costumo em algumas oportunidades que eu tenho de colocar, de dizer, que foi um gol e um título muito importante na minha vida profissional, na minha carreira, na minha história dentro do São Paulo, e também na trajetória do clube, que logo depois veio uma retomada de títulos, Libertadores, campeão do mundo, e foi um caminho, esse título do Brasileiro para a Libertadores, e foi um caminho inclusive também para história do Telê dentro do clube, isso pra mim é muito gratificante, eu fico muito feliz, apesar que poucos reconhecem isso, muitos reconhecem, mas não dessa forma, mas o torcedor são-paulino eles sambem a importância que foi esse título, esse gol, por isso que fico muito feliz de estar na história do clube.

AT: Tudo isso que você falou em relação ao título, ao gol que você fez e em relação a história do Telê. Por pouco não teríamos aquele esquadrão que venceu tudo. Talvez aquele time não existisse, não é?

Mario Tilico: Exatamente! Ali foi realmente um divisor de águas para todos nós, para o clube, para o Telê Santana, aquele ano ali foi muito difícil para o Telê, pra nós também porque, a gente tinha um carinho muito grande, os atletas de outros lugares, de outros clubes que o Telê dirigiu, a própria seleção brasileira. O Telê sempre teve um carinho muito grande dos jogadores, e a gente naquele momento sofria muito porque existia uma cobrança muito grande em cima do Telê, já existia aquela situação de pé frio: “Pé frio! Pé frio! Pé frio! Nunca ganha!”. Aquela situação da Copa de 82, então a cobrança era muito grande, ali se a gente não vence esse título, claro seria ruim para todos nós, mas graças a Deus, Deus abençoou nosso trabalho e fomos campeões, e fez uma mudança totalmente na situação do clube, do Telê, minha que fiquei para história do clube, do título, então isso é uma alegria muito grande. 

AT: Todo mundo que entrevistamos que trabalhou com o Telê, tem essa relação de pai e filho com ele, pegava no pé, pensando no melhor para a vida pessoal do atleta. Nos dias de hoje é difícil ver essa relação treinador atleta?

Mário Tilico: É difícil! Eu tive a oportunidade de trabalhar com grandes treinadores, um deles foi o Telê Santana. E isso é um aprendizado né, são poucos que tiveram essa oportunidade de trabalhar com bons profissionais, e quando você atua como eu que estou atuando como treinador, então muita coisa a gente carrega junto, são preocupações que a gente sabe que o atleta tem com a família, às vezes em uma condução de uma situação financeira, as vezes em algumas precipitações em decisões. Então a gente quando tem uma certa idade, já passou por isso tudo, além de estarmos mais maduros, a gente tem uma vantagem que a gente trabalhou com esses profissionais, como eu trabalhei com o Sr. Ênio Andrade, Valmir Louruz, Cilinho, Carlos Alberto Silva, então isso é um privilégio que poucos tem né. Quando você atua em alguma situação de trabalho, até mesmo fora do futebol, porque isso serve pra vida né, isso ajuda muito.

AT: Fim do ano passado o Rogério Ceni reclamou bastante a falta de pontas no elenco, do jogador que faz o um contra um, uma característica que era sua durante a carreira. Você acha que o ponta ainda é muito importante em uma equipe de futebol?

Mário Tilico: Hoje eu posso falar até com muita tranquilidade, porque eu trabalho como treinador, e quando você tem a oportunidade de montar uma equipe, um grupo para iniciar um campeonato, a primeira coisa que a gente busca sempre, e é difícil encontrar é jogador de velocidade, que jogue pelos lados do campo, e isso é muito difícil hoje. Uma equipe que você tenha um jogador desses, como era a característica do Muller, Elivélton, do Macedo, minha, é complicado para o adversário, ele já sofre porque em algum momento a válvula de escape é ter um jogador de velocidade, se você não tem, em algum momento do jogo você sofre muito. Então quando você tem jogadores de velocidade, realmente você sempre tem um poder de ataque sempre forte. Hoje em dia temos essa dificuldade, não é só o Rogério, todo o clube tem essa dificuldade de encontrar, mas eu acredito que se buscar muito, observar bastante pelo interior, peneirar bastante, acho que se consegue encontrar.

AT: Para essa função o São Paulo contratou o Nikão, está tentando o Soteldo, busca opções para o Rogério. Você acha que com esses jogadores essa função está coberta ou ainda precisa de um cara diferente?

Mário Tilico: Quanto ao Nikão e o Soteldo eles tem características diferentes, um mais aguerrido mais agudo que é o Soteldo, e é um jogador de lado de campo, mas não é muito agudo, é um jogador que vem mais para o meio, sempre finaliza bem, bate forte na bola. Mas assim, acho que o São Paulo precisa de um jogador mais agudo, acho que não seria o Nikão, e o Soteldo sim seria um jogador interessantíssimo para o Rogério, pelo jogador de velocidade, jogador que vai para o confronto, mano a mano, busca fundo para fazer cruzamentos, então seria um jogador que eu acho que encaixaria melhor do que o Nikão, as características são diferentes. Eu acho que o São Paulo deveria tentar buscar porque o São Paulo hoje com o grupo que está formando, se ele tiver jogadores de velocidade, vai ser uma equipe que vai fazer muitos danos aos adversários.

AT: Você acha que com essas contratações, Jandrei, Rafinha, Patrick, Alison, Nikão, o São Paulo terá um ano melhor? Ao que parece é ser um time mais experiente, não é?

Mário Tilico: São jogadores experientes, que provavelmente tem a característica do que o Rogério está querendo, porque isso depende muito do que o treinador está montando. Por isso que eu sempre falo, início de temporada, o treinador sempre está montando o grupo dele, provavelmente esses jogadores se encaixam nas características que o Rogério está querendo para montar o grupo. E claro, as vezes não é só você escolher, tem a parte financeira, você tem que encontrar um jogador, dentro do que você está querendo, na característica deles, e também a parte financeira, que tem que encaixar também, se não complica. O caminho do São Paulo é pé no chão, porque a partir do momento que o São Paulo comece a contratar com o é no chão ele começa a acertar, daqui a pouco sofre um pouquinho, o Rogério vai sofrer um pouquinho no início, mas com certeza lá na frente o São Paulo pode ter uma condição melhor financeira, mais estabilizado, melhor do que ano passado, até para dar uma condição melhor para o Rogério, em termos de jogador, custo maior,  uma qualidade maior, para poder compensar alguma deficiência que pode ficar no grupo do Rogério.  

AT: Mário Tilico obrigado pelo papo, e gostaria que você mandasse um abraço para os leitores do Arquibancada Tricolor.

Mário Tilico: Obrigado por tudo, sempre é um prazer estar falando dos clubes onde eu passei, principalmente o São Paulo que a gente teve a oportunidade de jogar e ficar para história de um grande clube, uma grande torcida. E aproveitar para mandar um abraço, para os leitores do Arquibancada Tricolor, e sempre agradecer a todos os torcedores pelo carinho que sempre demonstraram comigo, pelo reconhecimento e também pelo carinho de hoje em dia, muitos torcedores falando comigo e fico muito feliz por isso, um abraço a todos.

Comentários estão fechados.

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Assumiremos que você concorda com isso, mas você pode optar por não participar, se desejar. Aceitar Ler mais