Oscar sempre será conhecido pelo jogador que abdicou da sua carreira para ir ganhar milhões para a China. Será mesmo assim? É isso que vamos tentar ajudá-lo a perceber. O avançado tinha apenas 25 anos quando tomou uma decisão que o colocou no caminho da vida – mas efetivamente acabou com as suas esperanças de voltar a jogar pela seleção brasileira.
Cristiano Ronaldo sempre insistiu que outras estrelas o seguiriam para a Arábia Saudita – e provou estar certo, com Karim Benzema e N’Golo Kante a terem acabado de se juntar ao Al-Ittihad. A aquisição mais interessante da Saudi Pro League até ao momento, no entanto, é a de Ruben Neves.
Ao contrário de Ronaldo, Benzema e Kanté, Neves não é um vencedor em série, mas também não está cheio de lesões ou já passou o seu auge. Pelo contrário, é jovem, saudável e ainda tem os melhores anos pela frente.
Assim, numa altura em que a Pro League está a ser comparada à Super Liga Chinesa pela forma como abalou o mundo do futebol com uma transferência lucrativa atrás da outra, Neves está essencialmente a desempenhar o papel de Oscar.
Na realidade, a transferência do brasileiro do Chelsea para o Shanghai SIPG, em janeiro de 2017, foi bem mais surpreendente. De facto, a decisão de Oscar de abandonar o futebol europeu aos 25 anos não só chocou as pessoas, como também as deixou perturbadas.
Paixão ou dinheiro?
Enquanto o então colega de equipa no Chelsea e também internacional brasileiro Willian defendia que cada jogador tem o direito de ganhar o máximo de dinheiro possível durante uma curta e precária carreira profissional, o responsável dos Blues, Antonio Conte, questionou eficazmente o carácter de Oscar e o seu amor pelo jogo. “A paixão deve vir antes do dinheiro. Essa é a coisa mais importante para nós: a paixão pelo futebol”, disse o italiano aos jornalistas na altura. “Se não tiver isso, não é bom. Não é bom.”
O antigo defesa inglês Jamie Carragher, que fez toda a sua carreira profissional no Liverpool, foi ainda mais longe. “Esta não é uma medida para promover a sua carreira”, escreveu Carragher no Daily Mail. “Ele vai falar sobre o crescimento da liga na China, a hipótese de trabalhar com André Villas-Boas e a excitação por uma nova aventura – mas todos sabemos que estas palavras serão um disparate.
“Ele foi pelo tamanho do contrato. Nada mais. Os jogadores costumavam procurar um dia de pagamento nos seus trinta e poucos anos, quando as suas carreiras estavam a chegar ao fim. Todos nós entendíamos isso… Mas é embaraçoso que um jogador desista da sua carreira e da hipótese de competir pelos maiores prémios do jogo, apenas por dinheiro.”
A indignação de Carragher era compreensível porque Oscar era o tipo de jogador que os neutros gostavam de ver: era pequeno, habilidoso e marcava golos espetaculares. E não só, trabalhou arduamente, e é por isso que o antigo treinador do Chelsea, José Mourinho, o amava tanto.
Na altura da sua transferência para a China, a sua carreira estava inegavelmente estagnada em Stamford Bridge, sobretudo por causa da saída do selecionador português, mas não há como negar que Oscar era um talento realmente especial.
Foi a estrela da talentosa seleção brasileira que venceu o Campeonato do Mundo de Sub-20 da FIFA de 2011, marcando três golos na vitória por 3-2 sobre Portugal na final, e depois anunciou-se como uma possível estrela do futuro ao marcar um golo impressionante no seu segundo jogo como titular pelo Chelsea, em setembro de 2012, num confronto da Liga dos Campeões com a Juventus. Se houvesse uma central de informações sobre casas de apostas na altura, certamente que todas elas apontariam Oscar como jogador a marcar em qualquer que fosse a final.
Ofertas que os jogadores não podem recusar
O problema é que Oscar nunca escondeu o facto de a sua transferência ter sido motivada quase exclusivamente por dinheiro. Tinha perdido o seu lugar regular no Chelsea, mas o treinador do Atlético de Madrid, Diego Simeone, estava a oferecer-lhe tempo de jogo regular, enquanto a Juventus, o Inter e o Milan também estavam interessados em levá-lo para a Serie A.
Oscar, porém, sentiu que não podia deixar passar a oportunidade de construir uma família para o resto da vida. “A China tem um poder financeiro incrível e, por vezes, faz ofertas que os jogadores não podem recusar”, confessou num vídeo feito pelo Mundial90 e Rabon. “Todo o jogador de futebol, ou toda a pessoa que trabalha, quer ganhar dinheiro para ajudar as suas famílias. Eu vim de uma origem social no Brasil que é muito pobre. Não tínhamos nada. Isso é fruto do meu trabalho.”
E certamente colheu muitas recompensas, tendo inicialmente assinado um contrato de quatro anos no valor estimado de 400 mil libras por semana antes de garantir um aumento salarial após assinar uma extensão em 2019 — crucialmente, pouco antes de a CSL introduzir um teto salarial.
Seria exagero dizer que Oscar provou ser um bom investimento, mas para além de se tornar o rosto do clube, desempenhou um papel fundamental na conquista do campeonato pelo Shanghai em 2018 e da taça no ano seguinte, marcando 30 golos em todas as competições nessas duas temporadas.
É também um dos principais motivos pelos quais a equipa de Javier Pereira está no topo da tabela após 13 jornadas da atual temporada.
O boom e a crise da CSL
No entanto, Oscar é também um dos poucos jogadores de destaque que restavam na Super Liga Chinesa, que foi dizimada pelos efeitos da pandemia. É claro que o dinheiro estava a esgotar-se antes da pandemia, com o governo chinês a introduzir o que equivalia a um imposto sobre as contratações no estrangeiro devido ao facto de alguns estrangeiros estarem a tratar as suas transferências “como férias”, como disse Carlos Tevez, para além da preocupação de que a sua presença estivesse, na verdade, a perturbar, em vez de ajudar, o desenvolvimento de talentos nacionais.
A descorporatização dos nomes dos clubes também tornou as equipas da CSL menos atrativas para as empresas locais, que perderam todo o interesse em investir no futebol quando viram os seus lucros cair a pique durante a pandemia.
O regresso a São Paulo
O antigo médio do Chelsea Oscar está de regresso ao seu clube de infância, o São Paulo, após 14 anos, que incluíram uma longa passagem pelo futebol chinês.
O presidente do São Paulo, Julio Casares, publicou fotografias no passado mês de dezembro, no site oficial, que o mostram com o antigo jogador da seleção brasileira, de 33 anos. Casares descreveu a mudança como “uma super transferência”.
Minutos depois, Oscar agradeceu ao Shanghai Port da China, onde jogou durante oito temporadas, pelo seu tempo no clube da Super Liga Chinesa. “Hoje, termino um ciclo que marcou a minha vida para sempre”, disse. “Saio com o coração cheio de gratidão e orgulho por tudo o que conquistámos juntos.”
Oscar chegou ao São Paulo numa transferência gratuita. Nem o clube brasileiro nem o jogador divulgaram a duração do acordo, mas relatos dos meios de comunicação locais disseram que assinou um contrato de três anos. Independentemente disso, o craque tem dado que falar e foi uma ótima contratação.
A trajetória de Oscar reflete a difícil escolha entre paixão e estabilidade financeira no futebol moderno. Sua decisão de trocar a Europa pela China aos 25 anos gerou críticas, mas garantiu um futuro confortável para sua família. Agora, aos 33 anos, retorna ao São Paulo para encerrar sua carreira no clube onde tudo começou, trazendo consigo a experiência adquirida e a oportunidade de resgatar seu legado no futebol brasileiro. Seu caminho prova que, no futebol, cada decisão tem um preço — e cada ciclo pode ter um recomeço.