Zé Carlos: “Entre o dia que eu estava desempregado e a Copa do Mundo, foram um ano e três meses” – Entrevista AT

Foto: Arthur Ribeiro/GloboEsporte.com

Sabe aquela máxima de que o mundo dá voltas e que o futebol proporciona histórias incríveis? Imagine aí, em um dia estar desempregado, sem perspectiva, e no outro a realidade muda, e em pouco menos de um ano e meio atingir o ápice que o esporte pode oferecer.

E esse relato que mais parece enredo de filme, aconteceu na vida de um cara simples, de Presidente Bernardes-SP, o ex-lateral direito José Carlos de Almeida, conhecido no futebol como Zé Carlos.

O ano era 1997, mês de janeiro, período em que os times do interior de São Paulo fazem contratos curtos com atletas, já que a temporada para essas equipes não é extensa, o então desempregado Zé Carlos, é contratado no dia 11 de janeiro pela Matonese, de Matão-SP, para a disputa da Série A2 do Campeonato Paulista.

Como destaque, chamou atenção do então treinador do São Paulo, ídolo do clube como jogador, o uruguaio Dario Pereyra. O lateral chegou ao clube como a quarta opção na posição, e com muita perseverança soube esperar sua oportunidade.

A titularidade, e as boas atuações com a camisa do São Paulo passaram a ter destaque na imprensa, tanto que em meia temporada pelo Tricolor, Zé Carlos chegou, ao final de 1997, eleito como o melhor lateral do Campeonato Brasileiro e ganhou a Bola de Prata, tradicional prêmio da Revista Placar e ESPN.

O ano de 1998 chegou, e com ele o primeiro grande título na carreira: Campeão Paulista daquele ano com o Tricolor, sendo mais uma vez, destaque com a bola nos pés. Era o ano da Copa da do Mundo na França, e como Zagallo, técnico da seleção brasileira que defendia o título de 1994, precisou cortar Flávio Conceição, o lateral são-paulino foi convocado. O enredo se completava, do desemprego até a Copa do Mundo foram um 1 ano e três meses, com direito a jogar uma semifinal de mundial contra a Holanda, com a suspensão de Cafu.

A final da Copa do Mundo chegou, mas a derrota por 3 x 0 para os donos da casa, impediu que a explosão meteórica na carreira de Zé Carlos aos 29 anos, depois de rodar por diversos clubes do interior, tivesse como um final feliz o título mundial. Após isso, o lateral nunca mais voltou a atuar com a camisa canarinho, mesmo assim não deixa de ser uma das maiores histórias de superação que o futebol brasileiro produziu nas últimas décadas.

Hoje, residindo em Presidente Prudente, perto de onde nasceu (Presidente Bernardes), ambas no interior de São Paulo, o ex-atleta criou o Instituto Zé Carlos, sem fins lucrativos para ajudar as crianças da região, e busca parceiros para o projeto.

Mesmo de longe acompanha o São Paulo, e questionado, opina se Rafinha, 22º lateral direito do São Paulo em 10 anos, pode obter sucesso na posição com a camisa do São Paulo, como ele teve um dia.

Confira na íntegra a entrevista exclusiva de Zé Carlos ao Arquibancada Tricolor

AT: Zé Carlos, você apareceu para o futebol aos 29 anos. Como foi sua carreira antes de chegar ao São Paulo?

Zé Carlos: O início foi complicado, porque eu tive o sonho de virar atleta, mas não tive oportunidade. Com 21 anos de idade eu trabalhava em Presidente Altino, e tinha um campo, e todo sábado jogávamos lá, empresa contra empresa. Um olheiro de Osasco me viu e levou para fazer um teste no São José e fui aprovado, mas lá não fui utilizado. Naquela época, tinha aspirantes e foi onde eu joguei alguns jogos, acabei saindo sem ser aproveitado, mas ali assinei a carteira como jogador profissional de futebol. E dali voltei para o Nacional e fui fazer teste novamente, fiz testes e fui aprovado novamente, e comecei minha carreira mesmo no Nacional, depois joguei no São Caetano, União São João, Marília, Juventude, na Portuguesa, até que em 97 eu fui parar na Matonense, lembro que o clube subiu para a A3, A2 e A1, e fui quando fomos campeões da Séria A2, e foi quando o São Paulo me contratou. No meio do ano eu me transferi para o São Paulo.

AT: E como surgiu o interesse do São Paulo?

Zé Carlos: Quando eu cheguei, fiquei sabendo que os jogos das finais da Série A2 daquele ano, foram televisionados, e o Dario Pereyra estava acompanhando e pediu a minha contratação.

AT: Quando você chegou no São Paulo, era o quatro lateral direito, e quase não atuou no início, e para manter a forma passou a treinar por conta própria. Como foi isso?

Zé Carlos: Tinha o Pavão, o Claudio, e o paraguaio Néstor Isasi, e no começo eu não era muito utilizado, até nos treinos ficava de fora, aí o Dario Pereyra foi me colocando aos poucos no time de baixo, e um fato curioso que poucos sabem, é que quando era relacionado, ficava em casa no final de semana e eu treinava sábado e domingo. Então as coisas na vida gente, e muitos diziam o Zé teve sorte, e ninguém sabe o que a gente faz por trás né? Fui pegando condicionamento e o mesmo que eu fazia no São Paulo, repetia em casa. As vezes treinava no sábado de manhã, não era relacionado e era liberado, aí treinava no sábado a tarde e no domingo também. Depois me apresentava na segunda-feira, e assim eu fiquei por várias semanas, até que eu tive oportunidade e não sai mais, o Claudio teve uma pequena lesão, entrei no lugar dele e não sai mais.

ZeCarlosSPFC | Arquibancada Tricolor
Zé Carlos disputa com Sylvinho, na final do Paulista de 1998 – FOTO: Arquivo / Ag. Estado
AT: O título Paulista de 98 foi o primeiro grande título, de grande expressão. Qual a importância dessa conquista pra você?

Zé Carlos: É o máximo! Eu fui campeão pela Matonense, na Série A2, um ano antes, depois cheguei no São Paulo no meio do ano, fomos vice-campeões da Supercopa, eu ganhei a bola de prata naquele ano, e era por pontuação. E eu com menos jogos consegui alcançar o prêmio de melhor lateral direito de 97. Aí começou o Campeonato Paulista, renovei com o São Paulo, mais três anos, se não me engano joguei todos os jogos, e nos sagramos campeões paulista em cima do Corinthians, e foi diferente pela rivalidade dos dois, e foi o jogo do Raí na volta da França.

AT: Qual foi o jogo mais marcante pra você? E qual o sentimento hoje que tem pelo São Paulo?

Zé Carlos: Tiveram dois lances, um jogo no Maracanã, que peguei a bola quase no meio e acabei fazendo o gol. E outro bonito que eu fiz também, que me marcou muito e guardo boa recordação. Tinha um jogo do Torneio Euro-América que teve Flamengo, São Paulo, Bayer Leverkusen, e nós fomos campeões. Teve o Bayer na final e ganhamos de 4 x 1, eu fiz um bonito gol que o Marcelinho cavou, eu entrando na diagonal, e o goleiro batido no chão, fiz de perna esquerda, foi uma bela jogada. E o sentimento pelo São Paulo é só gratidão, foi um casamento perfeito, eu fui um atleta bem comportado, dentro e fora de campo, e era a maneira que o São Paulo gostava dos atletas. Sempre fui um cara do bem, nunca tive problemas com atraso, horário, comportamento, um casamento muito perfeito entre o Zé Carlos e o São Paulo.

AT: Para o torcedor mais jovem que está conhecendo sua história agora. Como era o lance das imitações?

Zé Carlos: Eu sou do interior de São Paulo, eu vivia na roça, agora não, mudou tudo completamente, energia, tem tudo. Na época que eu morava aqui até os 10 anos, em casa não tinha energia elétrica, não tinha geladeira, tudo complicado, o chuveiro colocávamos água em um lugar pendurado, abria a torneirinha para sair água, a situação que eu vivia ali era complicada, mas era o que nós tínhamos na época. Embora tenha saído pequeno, o meu caráter foi forjado, eu vi o que é uma dificuldade, então a sua formação é muito importante, de onde você veio, a sua família, porque isso ajuda que você nunca se empolgue, eu nunca me empolguei. Quantos jogos eu sai como o melhor em campo do São Paulo? E nunca me empolguei com nada, sempre com os pés no chão, simples, e a humildade do ser humano é a principal característica. Muitas vezes nós achamos que somos alguma coisa, mas não somos nada, estar em estádios, convocações para a seleção brasileira, no São Paulo indo bem, sempre mantive uma boa conduta, boa disciplina, que é o que fica, depois passa tudo e acaba. Acabei fugindo do assunto e não respondendo a sua pergunta, imitava galo, cachorro, convivia com isso né (risos), a gente brincava, eu gostava de fazer, porque sempre fui alegre, extrovertido, brincalhão. Os caras gostavam porque era algo diferente, tem pessoas que nunca viveram em um sítio, não sabe o que é um quiabo, um milho como é, amendoim, feijão, só vê só no mercado, mas tem que bater o feijão para soltar, um galo, as vezes vê só pela televisão, eu vivia no meio disso, então você acaba aprendendo muita coisa, e levando para sua adolescência, o decorrer da sua juventude essas lembranças, e acaba sendo legal.

AT: Com a seleção brasileira, sua história é fantástica. Em pouco tempo você saiu de um total desconhecimento no cenário do futebol brasileiro, sucesso no São Paulo e chegou à seleção, Copa do Mundo da França, e oportunidade de jogar uma semifinal de mundial contra a Holanda. Como foi isso?

Zé Carlos: Foi o que te falei, estava preparado pela minha forma de ser como homem. Então nada me pegou de surpresa, não me empolguei com nada. Eu, no dia 10 de janeiro de 1997, estava desempregado. Dia 11 de janeiro me empreguei, porque quando você faz contrato com time menor é até o meio do ano, depois acaba, e fica desempregado. Se é desconhecido então, continua desempregado o resto do ano. E me empreguei na Matonense dia 11 de janeiro, no meio do ano fui para o São Paulo, no final renovei por mais três anos, nesse mesmo final de ano ganhei a bola de prata, fui vice-campeão da Supercopa, e convocado para a seleção brasileira. Entre o dia que eu estava desempregado, até a Copa do Mundo, deu um ano e três meses, ou seja, de desempregado, em um ano e três meses eu estava disputando uma semifinal de Copa do Mundo. E foi um pouco tenso por eu não estar jogando, mas nada de anormal, o pessoal fala de peso da camisa, não lembro quem falou: “Zé Carlos sente o peso da camisa”. Então são pessoas que não entendem nada de futebol, pessoas que estão por trás de uma situação, do microfone, que não sabem o que é uma bola. Ao invés de falar isso, poderiam dizer: “Zé Carlos estava há 52 dias sem jogar uma partida de futebol, e jogou uma semifinal”. Jamais o Zé Carlos vai render como acabou o Paulista, voando, jogando todos os jogos, 110% da condição física. Então as vezes você passa por isso, mas nada me abala, pelo contrário, são pessoas que eu sei que elas vão elogiar e criticar. Mas muitas vezes elas falam o que pensam e o que acham, mas não sabe nada daquilo que está falando. Eu estava há 52 dias sem jogar uma partida e fui jogar uma semifinal de Copa do Mundo. Você sabe o que é isso? Ah o Zé não foi aquele que acabou o jogo no São Paulo. Não tem nem como! Às vezes, jogadores estão na ativa vem para a seleção, ficam devendo. Ai pegam o Zé Carlos que é a primeira vez que está indo para uma Copa do Mundo, 52 dias em jogar uma partida, fui campeão paulista no dia 10 de maio e joguei dia 13 contra o Vasco em São Januário, a Copa do Brasil, perdemos de 4 x 3, só vê ai, dia 13 de maio até julho, o dia que joguei contra a Holanda, faz as contas pra ver se não da mais de 50 dias. Mas não querem saber, falam o que pensam e deixam fluir.

ze carlos vs zenden | Arquibancada Tricolor
Zé Carlos vs Zenden, na semifinal da Copa do Mundo de 1998 – Foto: Alexandre Battibugli/Placar/Dedoc
AT: O Rafinha é o 22º lateral direito do São Paulo em 10 anos. Muita coisa. Acredita que ele possa ser o dono da posição como você foi um dia?

Zé Carlos: Deveria ser, conhecimento tem, sabe jogar. Mas vou dizer uma coisa pra você. Quando eu estava no São Paulo, eu não dependia de ninguém para apresentar meu futebol, eu tinha força, velocidade, agilidade, tinha tudo o que um lateral precisa, arrancada explosão. O time não está bom, mas o Zé Carlos vai fazer o dele e faz acontecer. Então tem momentos que o jogador, ainda mais na idade que está o Rafinha, se o time não estiver legal ele não vai conseguir carregar o piano, aí vai querer cobrar dele como se fosse um jogador mais novo que tem que fazer acontecer. Quando o time contrata um jogador mais experiente, de mais idade, é pra somar e não pra resolver, e ele soma quando o grupo está bem, quando o grupo não está bem, ele não consegue, não adianta. É o caso do Daniel, na seleção faz acontecer, é um jogo nivelado, na seleção é complicado, aparece uma jogada, que legal. Mas no clube ele tem que fazer a diferença e acaba não fazendo, porque as peças não colaboram, eu vejo dessa forma. E se ele se cuidar fisicamente, se ele se preparar bem, tem toda condição de fazer grandes jogos e somar. Por exemplo, eu no São Paulo, estava ruim eu resolvia, fazia uma jogada e saia o gol. Agora o São Paulo está ali, difícil como é, o Rafinha vai driblar um ou dois, ganhar na velocidade, cruzar e pega o cara bem colocado e gol? É ai que está o problema, é um jogador mais de idade, ele vai ter força pra ficar fazendo isso? Eu fazia isso constante, no primeiro e segundo tempo, eu tinha condição, treinava, um vigor físico excelente, uma ótima velocidade, uma arrancada e então eu fazia as coisas andarem, independente se o time estava bem ou não.

AT: O que está fazendo da vida? Tocando algum projeto?

Zé Carlos: Eu montei um instituto há dois anos, com a pandemia ficou parado, e estou começando a voltar agora, estou implantando aqui na cidade (Presidente Bernardes), e na cidade de Presidente Prudente, um projeto totalmente social, sem fins lucrativos. Abri uma associação, o Instituto Zé Carlos, e estou correndo atrás de recursos, montar o projeto e cuidar desses jovens que tanto necessitam em nosso município e no município vizinho. Essa é a ideia e graças à Deus estou conseguindo implantar aqui, com ajuda de empresários, vamos correr atrás de projetos, para vir verbas estaduais e federais para que a parte social, que muitas vezes o governo não consegue alcançar e fazer de uma forma mais adequada, a gente consiga implantar o projeto e conseguir fazer aqui no oeste de São Paulo.

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