Como podemos observar, o futebol brasileiro, a cada ano que passa, fica mais competitivo. E o aspecto financeiro tem feito a diferença no que diz respeito à solidez e qualidade das equipes. Em um mercado que as SAFs e clubes empresa têm ganhado cada vez mais espaço, as equipes que não se reestruturarem financeiramente têm grandes chances de ficarem para trás e isso pode ser um caminho sem volta.Neste artigo, iremos abordar a questão do endividamento do São Paulo. Analisaremos o histórico do clube nos últimos 20 anos e explicaremos alguns conceitos sobre endividamento líquido e índice de endividamento.
Endividamento líquido
Quando vemos a situação na qual o São Paulo Futebol Clube se encontra atualmente, o que mais chama a atenção é o alto endividamento do clube. É fato que existem clubes muito mais endividados que o tricolor, mas como o São Paulo sempre foi reconhecido pela sua boa gestão e por manter pagamentos em dia, esse passado recente de dívidas altas e juros elevados acaba assustando o torcedor.
O que é o endividamento líquido?
Basicamente, é o que o clube tem a pagar, ou seja, dívidas bancárias, impostos, acordos trabalhistas, salários e direitos de imagem a pagar, menos o que o clube tem a receber e em caixa, como por exemplo, saldo em conta, contas a receber (patrocínios, venda de atletas a outros clubes, cotas de TV), etc.
Ter dívidas é bom ou ruim?
O fato de um clube ter dívidas não é algo necessariamente ruim, mas faz parte do dia a dia da maioria das empresas. É comum as empresas financiarem seus investimentos através do empréstimo de recursos, na expectativa de que o retorno do capital investido gere retornos acima dos juros contratados no momento do endividamento.
Por exemplo, uma empresa pode tomar um empréstimo com juros de 12% ao ano para adquirir um maquinário que permita expandir a sua produção gerando um aumento de 20% na sua receita/lucro. O financiamento por meio deempréstimo, assim, permitiu um crescimento da receita gerando um retorno maior do que os juros a serem pagos.
O mesmo vale para o futebol, com as suas devidas particularidades: o investimento nas categorias de base, por exemplo, é algo realizado com a expectativa de que gere frutos esportivos e financeiros com vendas futuras de revelações.
Quando o endividamento passa a ser preocupante?
O problema é quando esse endividamento cresce muito, sem que as receitas acompanhem esse aumento, e as despesas financeiras (juros da dívida) ficam tão elevadas que acabam comprometendo o fluxo de caixa do clube, impossibilitando-o de fazer investimentos na equipe (contratações) ou mesmo em despesas recorrentes, como salários, entrando em um ciclo vicioso. Nesse caso, pode haver a necessidade de aumento de endividamento para pagar as obrigações a vencer do clube.
Como está a situação do São Paulo?
Fizemos um levantamento do endividamento líquido do clube nos últimos 20 anos, desde 2005 e corrigimos os valores pela inflação (IPCA) do período para que pudéssemos comparar os dados ao longo deste período.
Para chegarmos no endividamento líquido, somamos primeiramente os ativos mais líquidos (caixa, investimentos, contas a receber e diversos). Posteriormente, subtraímos desse valor as receitas a apropriar e adiantamentos feitos pelo clube. Assim chegamos aos direitos líquidos.
Posteriormente, subtraímos desse total os passivos do clube (fornecedores, dívidas trabalhistas, financeiras, tributárias, dentre outras).
Podemos observar que durante o período de 2005 a 2010, época do título da libertadores, mundial e dos três brasileiros, o clube apresentou um endividamento crescente, porém controlado.
No ano de 2011 o clube aumentou consideravelmente seu endividamento líquido, saindo da casa dos R$ 220 milhões para R$ 400 milhões, e as dívidas com bancos e terceiros representavam 50% do total. Em 2011, o clube investiu, em valores corrigidos, R$ 80 milhões a mais que no ano anterior em contratações. Ademais, o clube encerrou o ano de 2011 com um aumento de R$ 40 milhões em direitos de imagem a pagar (valores corrigidos).
Em 2012, isso se agravou, pois o clube investiu mais de R$ 120 milhões em contratações, em valores corrigidos, e viu seu endividamento líquido alcançar R$ 491 milhões.
De 2014 até 2018, o clube vinha reduzindo seu endividamento líquido de forma recorrente. Parte dessa redução vinha de uma melhora de economia brasileira, com taxas de juros mais baixas durante o período (saindo de 14,25% em 2016 para 6,5% em 2018), o que fez com que o clube reduzisse suas despesas financeiras (juros da dívida). Mas parte veio também de uma redução das dívidas bancárias e trabalhistas, saindo de R$ 250 e R$ 187 milhões em 2014 para R$ 141 e R$ 33 milhões ao final de 2018, respectivamente.
Se alguém nos perguntasse qual o pior ano do São Paulo em termos financeiros, sem sombra de dúvidas, foi 2019. Como os resultados em campo não vinham acontecendo, o clube acabou abrindo mão deste movimento de melhoria e resolveu dar um “all in” nas suas contas. O clube praticamente dobrou seu endividamento líquido, saindo de R$ 359 para R$ 640 milhões em apenas 12 meses.
As contratações de Daniel Alves, Hernanes, Alexandre Pato, Juanfran, Pablo, dentre outros, tiveram um impacto significativo nas contas do clube, com o investimento de R$ 149 milhões em contratações (R$ 189 milhões em valores corrigidos) e aumento da folha de salários em 30%, e o preço está sendo pago até hoje, pois além desse aumento considerável das despesas, os resultados esportivos não vieram, portanto, as receitas não acompanharam para poder fazer frente.
Ademais, a pandemia no ano seguinte afetou diretamente os clubes de todo o mundo, pois além de ter tido uma perda permanente de receita para os clubes, com estádios fechados, sem receitas de bilheteria, perdas no marketing, outras receitas foram adiadas para o ano de 2021, como as cotas de TV e premiações realizadas ao final dos torneios, que acabaram sendo finalizados apenas no ano seguinte.
A gestão do presidente atual, Julio Casares, iniciou neste cenário desafiador, com um passivo gigantesco e tendo que reconstruir o clube após anos de seca de títulos e alto endividamento.
Podemos citar diversos defeitos da atual gestão, mas o que podemos observar é que o endividamento líquido corrigido pela inflação se manteve praticamente estável durante os primeiros 3 anos de sua gestão, tendo até uma pequena redução. O clube teve um incremento das receitas (ainda muito aquém do potencial do clube e do que seus rivais estão obtendo atualmente) mas suas dívidas estiveram estáveis ao longo do primeiro mandato (2021 a 2023).
Já se sabe que o ano de 2024 foi mais desafiador e que teremos um déficit elevado. Estamos no aguardo da publicação das demonstrações contábeis para que possamos diagnosticar quais foram os principais problemas de 2024, mas imaginamos que a frustração de receitas com venda de atletas, aliado ao gasto com o elenco acima do orçado devem ter impactado significativamente o balanço do clube e fazer com que esse cenário de endividamento líquido controlado dos primeiros anos de mandato não se repita.
Finanças Tricolor começou em junho de 2017 com o objetivo de realizar análises detalhadas e independentes das demonstrações financeiras do São Paulo e, assim, disseminar o conhecimento sobre as finanças do clube para a maior quantidade possível de torcedores, na medida em que a saúde financeira do clube permite melhores resultados desportivos.
A equipe do Finanças Tricolor é formada por um Administrador com especialização em Finanças e um Advogado com mestrado em direito tributário que trabalham juntos na pesquisa e desenvolvimento dos estudos apresentados no perfil.
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