No mês passado, a equipe do Finanças Tricolor (@financas_tricolor no Instagram) recebeu um convite do Arquibancada Tricolor para uma parceria inédita com o intuito de elaborar um conteúdo com foco nas finanças do São Paulo Futebol Clube.
Nosso intuito é explicar alguns conceitos financeiros para tentar simplificar esse tema que muitos acreditam ser de difícil entendimento e atualizar os torcedores quanto à situação do tricolor no que se refere aos mais diversos aspectos financeiros, como: endividamento, receitas, despesas, FIDC, dentre outros.
Neste artigo abordaremos alguns conceitos financeiros e contábeis com o intuito de simplificar a linguagem, tornando-a acessível ao conhecimento de todos.
Todos os anos, os clubes precisam publicar suas demonstrações contábeis até o último dia de abril, independentemente da forma jurídica adotada. Desta forma, explicaremos abaixo como funcionam e para que servem as mais importantes demonstrações do São Paulo:
Balanço Patrimonial: demonstra a posição patrimonial e financeira da empresa/clube em determinada data. Usamos a analogia de que o balanço patrimonial é uma foto da empresa ao final de cada ano, ou seja, dia 31 de dezembro de cada período. Compõem o balanço patrimonial: ativo, passivo e patrimônio líquido.
- Ativo: bens e direitos que o clube tem a receber e que podem ser convertidos em dinheiro, bem como identifica em que os recursos foram aplicados. Ex: dinheiro em caixa, valores a receber (contratos de patrocínio, direitos de TV, vendas de atletas, etc.), imobilizado (estádio, centros de treinamento) e intangível (ativo que a empresa/clube possui, mas que não existe fisicamente – ex: softwares, atletas, marcas e patentes).
- Passivo: são todas as obrigações financeiras a pagar do clube, ou seja, suas dívidas independentemente do prazo que têm para serem quitadas. Ex: dívidas bancárias, trabalhistas, tributárias, acordos trabalhistas, direitos de imagem a pagar, dívida com clubes por direitos federativos e econômicos de atletas, intermediações, etc.
- Patrimônio Líquido: é a diferença entre o ativo e o passivo do clube de futebol.
Demonstração do Resultado do Exercício: confronto das receitas e despesas durante um certo período. Neste caso, seria um filme de tudo que aconteceu ao longo do ano com a empresa/clube (em contraposição com a “foto” do dia 31/12 do Balanço Patrimonial). Aqui o clube registra todas as receitas auferidas ao longo do ano, independentemente de quando esses recursos efetivamente entrarão no caixa do clube via regime de competência (o qual explicaremos no próximo tópico). Quando falamos em déficit ou superávit no exercício, estamos tratando desse resultado.
Demonstração de Fluxo de Caixa: são as entradas e saídas de recursos que afetaram o caixa da empresa/clube. Assim como a DRE, ela mostra um “filme” de tudo que aconteceu ao longo do ano e dos recursos financeiros que entraram ou saíram da conta do clube. Neste caso, adota-se o regime de caixa, pois na DFC somente são feitos lançamentos que impactaram o caixa do clube.
Orçamento: embora não seja uma demonstração financeira, trata-se de documento interno importante, pois traz a projeção realizada pelo clube no final de cada ano para as receitas e despesas do ano seguinte, como meta de vendas, meta de desempenho esportivo, bilheteria, projeção de gastos com folha salarial, etc. Usualmente, a existência de um déficit está atrelada a uma receita abaixo do previsto no orçamento ou estouro dos gastos que haviam sido orçados.
REGIME DE COMPETÊNCIA E REGIME DE CAIXA
Os registros de tudo que acontece em uma empresa/clube devem ser registrados pela sua contabilidade. Como visto acima, esse registro pode ser feito de acordo com um destes dois regimes: competência e caixa
Regime de Competência: os registros (entradas e saídas) acontecem quando a transação é realizada, não importando a data do seu recebimento ou pagamento. Ex: Balanço Patrimonial e Demonstração do Resultado do Exercício – DRE adotam este regime.
Regime de Caixa: os registros (entradas e saídas) acontecem quando o dinheiro é movimentado. Ex: Demonstração de Fluxo de Caixa – DFC adota este regime.
Transação dos direitos econômicos de um atleta
Quando o São Paulo realiza a venda dos direitos econômicos de um jogador, por exemplo o zagueiro Beraldo para o PSG, todo o valor que é de direito do clube acaba sendo computado na DRE do ano em que o negócio foi realizado (regime de competência). Neste caso, aconteceu ao final de 2023. Portanto, independentemente de como foi a negociação deste pagamento (à vista ou parcelado em vários anos) o São Paulo fará o lançamento do valor integral na DRE de 2023.
O mesmo acontece quando o clube faz uma compra ou acerta uma rescisão contratual de um atleta. Por exemplo, quando o São Paulo acertou a rescisão contratual do lateral Daniel Alves, todo o valor acordado com o atleta para pagamento pelos próximos anos foi lançado na DRE pois o fato gerador aconteceu naquele período.
Portanto, voltando ao exemplo do Beraldo, o São Paulo teria a receber R$ 63 milhões pela venda do Beraldo. Todo esse valor ingressou como receita para fins de DRE (déficit/superávit) em 2023 pelo regime de competência, ainda que o dinheiro não tenha ingressado nos cofres do clube integralmente (regime de caixa). Por essa razão, a venda do atleta não necessariamente representou o recebimento de R$ 63 milhões no ano de 2023 ou um alívio no Fluxo de Caixa do clube.
O QUE É FLUXO DE CAIXA?
Fluxo de caixa é a movimentação de valores (entradas e saídas) pelo caixa do clube, ou seja, aquele dinheiro que o clube possui efetivamente disponível em suas contas para utilização.
Quais as despesas que mais impactam o caixa do clube?
As despesas que mais impactam o caixa do clube ao longo do ano, usualmente, são salários, direitos de imagem, pagamento de parcela da compra de direitos econômicos e despesas financeiras (juros e amortização de dívidas).
Quais as receitas que mais impactam o caixa do clube?
As receitas que mais impactam o caixa do clube ao longo do ano normalmente são recebimento de cotas de TV, patrocínios, bilheteria e venda de direitos econômicos de atletas.
Descasamento de entrada e saída de recursos
Como as despesas mais importantes do clube são recorrentes, ou seja, existe certa previsibilidade e representam saídas de recursos mensalmente, e as principais receitas entram em meses específicos (cotas de TV e premiações ao final das competições, venda de atletas nas janelas de transferências ou parceladamente), o clube precisa ter um saldo anterior ou um fluxo de recursos entrando no caixa do clube para fazer frente a essas despesas.
Caso isso não ocorra, o clube pode precisar lançar mão de empréstimos bancários ou com terceiros para poder honrar com seus compromissos. Pudemos observar ao longo dos últimos anos uma dificuldade em honrar os compromissos e por diversas vezes o São Paulo acabou atrasando direitos de imagem aos atletas.
Ademais, a dependência do São Paulo de receitas não recorrentes, como é o caso da venda de atletas, acaba impactando nesse descasamento. Quando o clube não consegue atingir a meta de venda de atletas conforme estabelecido em seu orçamento, há uma tendência a um déficit elevado, uma vez que o clube contava com aquela receita para fins de Demonstração do Resultado do Exercício (lembrando que o valor da venda entra integralmente como receita naquele ano, independente da forma acordada entre os clubes para pagamento). Isso também pode comprometer o fluxo de caixa do clube, o qual contava com o recebimento efetivo nos cofres do clube de ao menos parte dos valores dessa venda, no caso de uma venda parcelada.
RECEITAS RECORRENTES E NÃO RECORRENTES
Uma importante fonte de avaliação é a comparação das receitas obtidas pelo clube ao longo do ano. Essas podem ser divididas em receitas recorrentes e não recorrentes.
Receita recorrente: receitas oriundas, em sua maioria, de contratos com vigência de mais de 1 ano. Portanto, apresentam maior previsibilidade para o clube, variando pouco de um ano para o outro (índices de correção anual). Exemplos: contratos de cotas de TV, contratos de patrocínio, licenciamento e sócio torcedor.
Receitas não recorrentes: são receitas não menos importantes, porém não garantem resultados financeiros futuros no mesmo montante, o que acaba dificultando o planejamento a médio e longo prazo. Exemplos: vendas de atletas, premiações e bilheteria. Apesar do São Paulo poder orçar uma previsão de quanto irá arrecadar em cada uma dessas receitas, fatos supervenientes podem acontecer e o clube não atingir as metas orçamentárias. Ex: pandemia de 2020 afetou em quase sua totalidade a receita com bilheteria, algo inimaginável até então.
Após essa nossa explicação de alguns conceitos importantes, esperamos que todos tenham conseguido entender os conceitos mais básicos da contabilidade dos clubes. Nos próximos artigos, iremos aprofundar alguns temas como endividamento, receitas e despesas para analisarmos como foi o histórico do São Paulo ao longo dos últimos 20 anos e em que situação o clube se encontra atualmente.
Finanças Tricolor começou em junho de 2017 com o objetivo de realizar análises detalhadas e independentes das demonstrações financeiras do São Paulo e, assim, disseminar o conhecimento sobre as finanças do clube para a maior quantidade possível de torcedores, na medida em que a saúde financeira do clube permite melhores resultados desportivos.
A equipe do Finanças Tricolor é formada por um Administrador com especialização em Finanças e um Advogado com mestrado em direito tributário que trabalham juntos na pesquisa e desenvolvimento dos estudos apresentados no perfil.
Confira nossas matérias aqui no Arquibancada Tricolor.
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Parabéns, coluna excelente: acompanhei vocês muito no Twitter e sempre me preocupava ao ler esses números, afinal, o São Paulo há muito tempo, parou de saber como pagar em dia, falta transparência…
Dá muito medo de a dívida passar de R$ 2 bilhões fácil porque temos um presidente que desconsidera isso de o clube estar endividado e não prioriza que a base jogue.
Talvez só a SAF salve: vocês são a favor ou contra? E o clube lançar ações na Bolsa de Valores – B3? –