O Trem Bala de Cotia e o Fusquinha da Barra Funda

Foto: Igor Amorim / saopaulofc.net

Por Matheus Conceição

Não é de hoje que o São Paulo deixou de ser uma referência em transparência, gestão e títulos. É um processo longo de desconstrução de uma marca que rebaixa o clube de grande competidor a mero participante. A despeito disso, a base do clube vem, ao longo dos anos, consolidando-se como grande expoente do país, conquistando os títulos mais importantes das mais diversas categorias. Isso denota que há dois clubes em um mesmo: o que forma para vencer e o que se contenta em sobreviver.

Com a vitória nos pênaltis sobre o Palmeiras na Supercopa, o Tricolor Paulista conquistou a chance de disputar mais uma vez a Libertadores sub-20. É o único clube no Brasil que venceu a competição, com aquela histórica geração de David Neres, Lyanco, Lucas Fernandes, Luiz Araújo (todos já fora do clube) e André Jardine. É uma base forte, temida e vencedora, que, de 2016 para cá, conquistou mais de vinte títulos, dentre eles a Taça BH, a Copa RS, a Copa do Brasil, o Campeonato Brasileiro de Aspirantes, a própria Libertadores e muitos outros.

Enquanto isso, o time de cima, aos trancos e barrancos, luta para ser apenas mais um dentre tantos outros. Campanhas esquecíveis, lutas contra o rebaixamento, mais de trinta eliminações em torneios (inclusive, para times menos expressivos nacionais, como Penapolense, Bragantino e Avaí, além de internacionais, tais quais Defensa y Justicia e Colón). São treze anos sem ganhar o Paulistão, a Libertadores ou o Mundial; uma década sem Brasileiro; uma fila interminável na Copa do Brasil. Sendo mais exato, são dez anos sem títulos nacionais e seis de jejum internacional, desde a conquista da Sulamericana de 2012.

Por que há projeções tão discrepantes em um mesmo clube?! É uma pergunta um tanto quanto complexa, mas que possui raízes interligadas com a visão do clube. Longe de esgotar o tema e ser simplista, é preciso notar que as filosofias são totalmente distintas: o São Paulo da base entra como favorito nos torneios e é um verdadeiro bicho-papão; o time principal já não assusta nem os pequenos e luta para se manter em evidência diante de uma escassez absurda de títulos.

E essa perspectiva se entrelaça com a próprio desprezo do clube pela gana de vencer. O São Paulo prioriza, para tornar hígidas as suas contas, ser vitrine de atletas em detrimento de formar um time realmente vencedor. Nos últimos anos, não faltam exemplos para demonstrar isso. Enquanto jogadores considerados joias que brilharam na base são lapidados para serem vendidos e fazerem caixa, são trazidos jogadores duvidosos do mercado nacional e internacional, tomando o espaço que poderia ser de jovens valores. São exemplos os casos de Negueba, Marcinho, Gonzalo Carneiro, Morato e Marcos Guilherme. Ou mesmo de medalhões duvidosos, como Maicosuel, Aderllan, Edimar ou o próprio Sidão.

Fica nítido que o São Paulo se transformou de um clube vencedor para um clube exportador. Há uma aparente satisfação em fechar o ano com as contas no azul e com a sala de troféus sem novidades. Exceção feita a 2014, onde o São Paulo possuía grandes jogadores e chegou ao vice-campeonato nacional, há um acúmulo de elencos em que a formação parece desprezar a grandeza do clube. E isso parece estar em “loop” infinito, caso se note que no mesmo ano em que o sem oportunidade Foguete acaba de levantar um torneio importante na base, seja necessário contratar Igor Vinicius da Ponte Preta (sem juízos antecipados sobre o seu futebol, por óbvio). Ou que sejam contratados um Neilton e um Kieza, tendo um menino da base podendo fazer a mesma função, por muito menos.

Uma contratação específica pode ser bastante elucidativa nesse quesito, inclusive. Sem menosprezar o bom campeonato brasileiro feito pelo goleiro Jean pelo Bahia, a sua contratação se justifica, nos valores envolvidos, de alguma sorte?! Foram milhões pagos para um jogador em formação, ainda em maturação, que não veio para ser titular imediato, havendo jogadores em sua posição no próprio clube tão promissores quanto ele. E sem um investimento tão pesado, que poderia ser remanejado para um jogador consagrado em uma posição carente.

O São Paulo de cima peca, justamente, pela não-aptidão a ser protagonista, como é o São Paulo da base. É notório que há duas filosofias distintas, com dois objetivos bastante díspares. O “trem bala” de Cotia segue como resquício de um São Paulo gigantesco, enquanto o time de cima parece querer seguir os projetos de quedas dos rivais, sem a mínima preocupação com a conquista de títulos. Forma-se para exportar. Jogadores medíocres chegam para compor elenco em posições que poderiam ser preenchidas com a base. Joias trazem milhões ao clube e esse dinheiro não se reverte em conquistas. E assim segue a sina de um clube bipolar, que esqueceu sua sina de temido e se contenta em ter como principal glória no ano uma vaga de Libertadores – que só chega, é claro, para disputar.

*A opinião do colunista não reflete a opinião do site

Foto: Igor Amorim / saopaulofc.net

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