A retórica exposta pelo diretor são-paulino é decerto interessante; no mínimo, peculiar – ou, em alguma medida, feérica. Para repreender críticas acerca de uma possível discussão sobre prêmios entre jogadores e diretoria, Carlos Belmonte informou que o clube sequer efetuou o pagamento do chamado “bicho” anterior – referente à classificação sobre o Atlético Goianiense, na Copa Sul-Americana. Peculiar. Esse é o exato vocábulo que pode definir o argumento exposto. E isso leva a alguns questionamentos, com a vênia da ignorância de um torcedor que de fora assiste. Senão, vejamos.
Antes, aliás, apresentemos, em prol da honestidade, as aspas em sua inteireza.
“Há ataques que são absurdos. Surgem ataques como dizer que os jogadores estavam discutindo ‘bicho’ com a diretoria antes da partida contra o Independiente del Valle. Primeiro que isso estava decidido há quase dois meses antes do jogo. E para deixar mais claro ainda o nível do caráter desse elenco que nós temos aqui, nós não pagamos ainda nem o ‘bicho’ da vitória que nos levou à final, contra o Atlético-GO. Nem esse ‘bicho’ foi pago“, ao passo que prosseguiu, com a motivação do inadimplemento, “Não foi pago porque a gente passa por um momento difícil, e agora nós iremos fazer o acerto – do que tem que ser acertado“.
Retorno ao ponto de vista, após o discurso expositivo do funcionário do clube. Ora, há algum sentido em se apresentar como consistente réplica a uma crítica de algum torcedor o fato de o clube ser declaradamente inadimplente perante seus jogadores?! Em se tratando de acertos estabelecidos há meses, como supradito, não seria justamente uma demonstração de quebra de fidúcia o não pagamento do montante antevisto junto ao plantel?! O Tricolor foi derrotado em campo sem qualquer poder de reação. Ato contínuo, expõe-se que haveria um suposto acerto de ‘bicho’, exigido pelos atletas. O diretor, então, explica que até existiu tal pacto, mas que nem mesmo chegaram a pagar o que fora antes combinado. Por entrarem em campo sem pagamento, seriam os jogadores valorosos em sua moralidade e compromisso para com o clube. Assiste razão ao dirigente?!
A contraprestação pecuniária é direito de todo trabalhador, em consonância com os ditames laborais estabelecidos na Constituição Cidadã. Qual motivação teria um funcionário de dar o seu melhor a uma instituição que descumpre suas promessas, mormente em um cenário de contumácia declarada? De repente, o amor à camisa voltou a ditar regra no Mais Querido; não afasto, pois, tal possibilidade – antes a admiro. Gostaria muito de acreditar nessa situação romântica e de extremo compromisso. A bem da verdade, minha ingenuidade me faz com ela flertar, de certo modo. E trabalhemos então com a remota hipótese de ser ela, de fato, verossímil. Ainda assim, não se afasta um fato: a incompetência da diretoria na condução da relação entabulada, na condição de liderança do São Paulo. Explico.
No dia 20 de abril do corrente ano, em votação expressiva no Conselho Deliberativo do São Paulo, aprovou-se um empréstimo de 20 milhões de reais com um banco. Um dos objetivos de tal empreitada seria justamente o pagamento dos valores atrasados com o elenco tricolor, pendente desde a moléstia pandêmica que assolou nosso tempo. Em 18 de julho, foi indicado que o Tricolor usaria o dinheiro da venda de sua cria Gabriel Sara para o pagamento dessa tal dívida com o elenco. Por sua vez, no recente 12 de setembro, noticiou-se que a diretoria fez uma reunião com o elenco e prometeu que o valor astronômico das vendas de Antony e Casemiro seria para quitar a mesma dívida. Indaga-se, em consequência: qual o valor exato desse dispêndio? Afinal, por que sempre há dotação específica para pagá-lo, mas ele sempre se mostra em aberto?!
Afastada a leviandade de acusações rasas, registra-se o constrangimento das perguntas sem respostas. Em todo caso, latente a insurgência, patente a incompetência. De acordo com a melhor doutrina, competência é justamente a capacidade de bem decidir sobre determinada situação. Em se tratando de uma relação cambiante, em que há expressa declaração de reiteradas inadimplências, não há outro pensamento que não o do entendimento contrário ao de eficiência, tangenciando as más providências. Para ser justo, ao menos há tais reconhecimentos públicos acerca do endividamento – um quê de transparência, apraz. Todavia, no mesmo diapasão, configura-se um certificado indiscutível da malfadada incompetência – em seu prisma de gerência de grupo.
Acompanhemos, serenos, os próximos capítulos. Com a paciência dos sábios, a vigilância dos bons e a torcida por dias melhores no horizonte de nosso São Paulo Futebol Clube.
*As opiniões expressas aqui são de responsabilidade do autor do texto, e não refletem a opinião do site
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